segunda-feira, 8 de agosto de 2016

Faltam livros nas escolas brasileiras

Mais um desafio para a educação  (Foto: Época )

Ideias

 
A lei determina que cada escola do país tenha uma biblioteca. Apenas 37% delas cumprem essa exigência. São Paulo tem hoje menos bibliotecas do que tinha há quatro anos

 
EDUCAÇÃO EM DÉBITO
Sidineia lê para seu filho Octavio, de 7 anos. Por falta de bibliotecas na rede pública, ela se juntou a outros jovens da região onde mora em São Paulo para fundar uma biblioteca comunitária (Foto: Flávio Florido/ÉPOCA)


O romance O menino do pijama listrado, de John Boyne, despertou a paixão de Sidineia Chagas, de 25 anos, pela leitura, quando ela cursava, em 2007, o 1º ano do ensino médio na Escola Estadual Professora Renata Menezes dos Santos. Sidineia mora em Parelheiros, região do extremo sul de São Paulo que lidera rankings de violência e de baixo desenvolvimento humano.

O encontro entre Sidineia e a história de Boyne ocorreu quando cada aluno de sua classe recebeu uma caixa com quatro livros. O mesmo encanto com os títulos não aconteceu com boa parte de seus colegas. “Quando a aula acabou, muita gente rasgou os livros”, diz ela. Sidineia viu páginas virar dobraduras ou munição para guerra de bolinhas de papel.

A atitude dos jovens foi um reflexo do descaso com que a própria escola tratava a leitura. Sidineia afirma que as obras foram apresentadas aos alunos sem o respaldo de qualquer atividade pedagógica que destacasse a relevância delas. Além disso, a biblioteca do colégio nunca atraiu frequentadores. Quase sempre fechado, o espaço funcionava mais como um depósito de livros do que como um ambiente de incentivo ao hábito de ler. O mesmo ocorria nas demais escolas da região de Parelheiros.

>> Ler para crianças desde cedo estimula habilidades linguísticas e emocionais, diz estudo

Essa realidade precária inspirou Sidineia e outros 30 jovens a criar um espaço de leitura que pudessem frequentar à vontade. Nos fundos do Cemitério do Colônia, uma pequena casa antes abandonada abriga a Biblioteca Comunitária Caminhos da Leitura, fundada em 2009, em parceria com uma ONG, o Instituto Brasileiro de Estudos e Apoio Comunitário (Ibeac). “O objetivo foi criar um lugar que, além de emprestar livros, fosse um ponto de encontro para a comunidade”, diz Sidineia. Com a ajuda de instituições públicas e privadas, hoje a biblioteca conta com um acervo de 4 mil exemplares.
 
LIVROS PARA TODOS
A Biblioteca Comunitária Caminhos da Leitura, de Parelheiros. O espaço foi criado por jovens da região que sentiam falta de um espaço para ler e se reunir (Foto: Flávio Florido/ÉPOCA)

Iniciativas como a de Parelheiros surgem para tapar buracos deixados pelas políticas educacionais do estado. Uma lei sancionada em 2010 determina que, até 2020, todas as escolas do Brasil tenham uma biblioteca. Os números, porém, mostram que a obrigatoriedade não será cumprida dentro do prazo – se é que ela será cumprida algum dia. O Censo Escolar de 2015 mostra que somente 37% das escolas públicas e privadas de educação básica (entre a educação infantil e o fim do ensino médio) têm biblioteca. Para que a meta seja alcançada, 84 bibliotecas teriam de ser abertas diariamente, a partir desta semana e pelos próximos 1.389 dias.

Esses números mostram apenas um dos aspectos de como o incentivo à leitura é negligenciado na educação brasileira. As poucas bibliotecas existentes na rede pública costumam funcionar de forma muito deficiente. Entre 11 escolas escolhidas aleatoriamente na cidade de São Paulo, apenas duas bibliotecas funcionam em período integral e três ficam abertas eventualmente. Em seis escolas, alunos não têm livre acesso ao espaço onde ficam os livros. “A sala fica fechada. Os estudantes só podem entrar quando acompanhados por um professor”, afirma o funcionário de uma das escolas, que não quis ser identificado. O motivo mais comum ao acesso restrito é a falta de um supervisor no local.

Isso não ocorreria se a lei fosse respeitada. As bibliotecas escolares devem contar com a presença de um bibliotecário preparado para organizar, abastecer e gerenciar o acervo. Na contramão do que diz a lei, a rede estadual de ensino de São Paulo passou a substituir, em 2009, a instalação de bibliotecas por salas de leitura. Diferentemente das bibliotecas, essas salas são espaços informais, com acervo diminuto, sem preocupação com iluminação ou organização apropriada para atividades relacionadas ao estudo e à leitura. Outra diferença fundamental da sala de leitura é que ela dispensa a presença de um profissional preparado para receber os alunos. “Um dos papéis do bibliotecário é sugerir ações pedagógicas que tornem a biblioteca um espaço convidativo para os alunos”, diz Maria Aparecida Lamas, educadora especializada em formação de leitores.

Em 2012, 13% das escolas estaduais paulistas tinham bibliotecas. Salas de leitura estavam presentes em 75,4% delas. Em 2015, o número de escolas com bibliotecas caiu para 7,4%, enquanto o de salas de leitura aumentou para 78%. Nesse mesmo período, não houve expansão da rede de bibliotecas entre as escolas municipais.

Educadores ouvidos por ÉPOCA afirmam que São Paulo freou a implantação de bibliotecas para economizar dinheiro, tese endossada pelo sindicato dos bibliotecários. “O governo usa a máscara da sala de leitura para extinguir o cargo de bibliotecário em suas escolas”, diz Vera Stefanov, presidente do Sindicato dos Bibliotecários de São Paulo. Questionado, o governo paulista só mencionou a expansão de salas de leitura. São Paulo é o quarto estado com o pior índice de bibliotecas escolares, seguido por Acre (19,3%), Pará (18%) e Maranhão (15%). (Confira o gráfico abaixo.)

A lei que torna obrigatória a existência de bibliotecas baseia-se em evidências pedagógicas e científicas sobre os benefícios da leitura para o cérebro da criança e seu desenvolvimento – como estudante e como cidadão. Um estudo da Universidade York, do Canadá, constatou que crianças expostas a livros têm mais facilidade em lidar com opiniões e sentimentos alheios. Quando mediada por familiares, aponta pesquisa da Faculdade de Medicina de Nova York, a leitura contribui para estreitar vínculos afetivos e estimular o diálogo. Entre seus benefícios, destacam-se também a expansão do vocabulário e o desenvolvimento da memória. A exposição constante à literatura é a forma mais eficiente para combater o analfabetismo funcional, do qual 27% da população brasileira padece. “A dificuldade em interpretar o que leem ocorre basicamente porque as pessoas ainda não automatizaram a decodificação das palavras. Isso ocorre somente com o hábito da leitura”, disse a ÉPOCA Stanislas Dehaene, neurocientista francês que pesquisa distorções cognitivas no aprendizado.

>> Stanislas Dehaene : "A neurociência deve ir para a sala de aula"

Bibliotecas são espaços férteis para atividades que estimulam a leitura, a narração de histórias e a criatividade. Sidineia e seus colegas da biblioteca já se acostumaram a tirar as histórias das prateleiras e transformá-las numa infinidade de atividades que envolvem toda a comunidade. Poemas de Drummond embalam melodias de baião. Versos de Manoel de Barros inspiram encenações teatrais. Textos de Simone de Beauvoir iniciam discussões sobre violência contra a mulher. “A vizinhança se envolve em discussões sobre política e direitos humanos”, diz Sidineia. Em cinco anos, o Pílulas de Leitura, projeto dessa biblioteca, alcançou 12 mil crianças de Parelheiros. Em um país com 13 milhões de analfabetos, iniciativas como essas são a melhor resposta da população para um exemplo de descaso do poder público com a educação brasileira.
 
 
BEATRIZ MORRONE E FLÁVIA YURI OSHIMA 
 
FONTE: http://epoca.globo.com/ideias

segunda-feira, 1 de agosto de 2016

O que os professores brasileiros pensam da educação?

Segunda edição da pesquisa Conselho de Classe traz opiniões sobre a profissão e o contexto educacional do país

Falta de acompanhamento psicológico para os alunos, defasagem de aprendizado, fortalecimento da profissão e formação continuada são algumas das maiores preocupações dos professores brasileiros. Isso é o que demonstra segunda edição da pesquisa Conselho de Classe, realizada pela Fundação Lemann com o apoio do Instituto Paulo Montenegro.

Com o objetivo de dar voz aos educadores brasileiros e identificar a percepção deles sobre os principais desafios do cotidiano escolar, a pesquisa ouviu professores de escolas públicas de todo o país. Por meio de um estudo quantitativo e qualitativo, profissionais que atuam no ensino fundamental e médio foram questionados sobre diversos assuntos, como as maiores urgências educacionais, quem mais oferece apoio para suas dificuldades cotidianas, quais ações deveriam ser priorizadas para melhorar a educação e a participação em atividades de formação continuada.
Quais são as maiores urgências para os professores brasileiros?
Para os professores ouvidos pela pesquisa, a falta de acompanhamento psicológico para os alunos que precisam é a maior urgência a ser enfrentada no cotidiano escolar. O resultado apareceu como prioridade em todas as regiões do país, incluindo também outras preocupações, como a indisciplina das turmas, a defasagem de aprendizado, a aprovação de alunos que não estão preparados para o próximo ciclo e a necessidade de envolvimento da escola em problemas sociais e familiares dos alunos.

Como apoio para enfrentar esses desafios, os professores dizem contar com o diretor (73%), o coordenador pedagógico (68%) e outros colegas da escola (48%). Eles ainda expressam o desejo de ter a colaboração de outros profissionais para enfrentar as demandas da sala de aula, apontando que a secretaria de educação deveria oferecer psicólogo (50%), psicopedagogo (28%), assistente social (8%), mediador de conflitos (7%) e fonoaudiólogo (4%). “Somente com aprendizagem, nós já temos muitos problemas e demandas dentro da sala de aula”, afirmou uma professora do ensino fundamental 2 citada na pesquisa.
Quem dá apoio ao professor para enfrentar os desafios da sala de aula?

Ao constatar que as urgências são similares para educadores de diferentes etapas de ensino e regiões do país, o levantamento também identificou que os professores desejam contar com um apoio maior desses profissionais especializados. No entanto, os desafios da sala de aula ainda passam por outras demandas, como a garantia do aprendizado de todos os alunos. Entre os entrevistados, 51% dos professores dizem que a defasagem de aprendizagem dos alunos em relação à série que estão é uma das maiores dificuldades enfrentadas para colocar o currículo em prática na sala de aula.

De acordo com a pesquisa, na percepção dos educadores, os desafios da defasagem devem ser levados em conta pela rede ao implementar um currículo. “Na mesma classe tem alunos avançados e alunos abaixo do básico. Então, como preparar uma aula? Como lidar com isso em sala de aula?”, ilustra a pesquisa, ao citar a fala de uma professora ouvida durante o estudo qualitativo.

Ao serem questionados sobre as ações que deveriam ser priorizadas para melhorar a educação, um em cada quatro professores apontou o investimento na carreira, incluindo aumento do piso salarial (14%) e melhora no plano de carreira (10%). A prioridade apontada por eles, no entanto, foi o investimento em programas de formação continuada (17%). Sete em cada dez professores dizem ter participado de formações no último ano, mas o estudo aponta que, segundo eles, as formações não dão conta de resolver completamente as necessidades da escola.
Quais são as maiores dificuldades para colocar em prática o currículo?
 por Redação 29 de julho de 2016 

http://porvir.org/os-professores-brasileiros-pensam-da-educacao/

FORMAÇÃO DOCENTE

Veja cinco pontos para qualificar a formação docente, segundo António Nóvoa

Você encontra similaridade entre a atuação de um professor e um médico? Acha que a formação desses profissionais pode, em alguma medida, dialogar? O reitor da Universidade de Lisboa, doutor em educação pela Universidade de Genebra, António Nóvoa partiu da análise da proposta formativa da Harvard Medical School para trazer reflexões sobre a carreira docente no Brasil.
 
Em encontro realizado no Instituto Singularidades, em parceria com o Instituto Ayrton Senna, em São Paulo, na última quinta-feira (28/07), o especialista foi taxativo ao dizer que “formar um professor é formar um profissional da educação, assim como formar um médico”, fazendo menção à necessidade da atuação docente ser vista como uma profissão e, portanto, receber toda a importância de qualidade, recursos e investimentos.

Pesquisador reforçou a necessidade da carreira docente ser vista como profissão. Créditos: Instituto Península

Estudo de caso e reflexões

Nos últimos meses, Nóvoa se dedicou a estudar o programa de formação da universidade norte-americana e resgatou alguns pontos que, segundo ele, tornam o processo formativo mais significativo. Como primeiro ponto, o pesquisador apontou a cerimônia simbólica que marca a entrada dos recém formados na universidade. Estudantes, professores e médicos já atuantes entregam o jaleco aos egressos, “o que significa que toda a comunidade se responsabiliza pela formação dos futuros médicos”, ressaltou.

Outra questão, é o fato da universidade defender uma experiência individualizada como estratégia de formação, entendendo que cada sujeito tem um percurso próprio de aprendizagem a ser seguido. A condução formativa ainda se dá de maneira entrelaçada, se afastando de uma proposta estratificada de currículo. “Ele [o currículo] se apresenta integrado e integrador, aproximando a teoria e a prática em todos os momentos”, reconheceu.

Nóvoa também falou das matérias que acabam sendo desenvolvidas a partir de instrumentos, como explicou. “O tempo na universidade é utilizado para o estudo de casos e problemas, e não para as disciplinas, contribuindo para que haja uma visão integrada das questões que cercam a Medicina”. Isso se ancora em um ambiente colaborativo, em que se reconhecem um esforço de socialização, além de dinâmicas de inter-cooperação.

Por fim, o pesquisador citou o compromisso com a pesquisa e a ação, como forma de valorizar e sistematizar o conhecimento que é construído dentro da profissão, a partir de seus problemas reais. E também a ligação com o exterior, propondo diálogo permanente com a comunidade.

Dos médicos aos professores


Nóvoa defende que as propostas formativas valorizem os percursos individuais. Créditos: Instituto Península

Para Nóvoa, a agenda da formação docente incorre em um erro central. Ele coloca que muito se diz sobre o que os professores têm que ter ou fazer, de maneira geral, e pouco ou nada se diz sobre como cada professor pode se encontrar individualmente na profissão.

“Como que eu me formo como profissional, encontrando a minha própria maneira de ser professor, em conjunto com outros profissionais, pesquisando e agindo no campo institucional da escola, sem nunca exercer o exercício público da minha profissão?”, provocou.

A partir disso, o especialista elenca cinco pontos que, a seu ver, podem qualificar as práticas formativas iniciais e continuadas e consequentemente o percurso desses profissionais.

1. Disposição pessoal
Nóvoa defende que as formações docentes garantam espaços e tempos para um trabalho de autoconhecimento, de autorreflexão, de maneira que os professores partam de suas histórias pessoais, de vida, de sua subjetividade para então formatar a sua identidade profissional.

2. Composição pedagógica
Também entende a importância de que haja processos de composição pedagógica, que permitam aos professores fazerem diferentes elaborações e encontrarem seus próprios modos docentes, com autonomia e conhecimento profissional.

3. Interposição profissional
O trabalho, a seu ver, deve partir da socialização e da colaboração entre os pares, esforço que, em sua análise, deve estar presente desde o primeiro dia da formação. Nóvoa ainda defende que os percursos se deem em comunidades práticas de aprendizagem.

4. Proposição institucional
Reforça a necessidade dos docentes conquistarem seu espaço na escola, firmando a sua posição profissional e participando do projeto educativo da instituição, a partir de uma postura ativa, criadora e transformadora.

5. Exposição pública
Por fim, reconhece a importância de que os professores atuem em outros espaços além da escola, como na comunidade, e também nos espaços públicos da educação. “Hoje vejo fragilidade na presença dos professores nos espaços das políticas públicas educacionais, e é imprescindível que esse lugar seja ocupado”, finalizou.
 
 
Por Ana Luiza Basílio  
 
http://educacaointegral.org.br