Mudanças sociais e digitais se refletem em sala e exigem aulas mais dinâmicas e analíticas
RIO - No mundo dos negócios, quem aponta os rumos do mercado é a clientela. Se
a demanda for maior do que a oferta, aumenta-se o preço. Do contrário,
promoções. Na carreira dos professores — os homenageados deste domingo — a
regra é a mesma. Por mais que o estudante seja um aprendiz, e não um
consumidor, é ele quem determina, no fim das contas, os caminhos da aula. E
como os alunos mudaram, seus mestres precisam se adaptar. Em um mundo cada vez
mais digital e de informações acessíveis, a dinâmica de ensino e outra.
Andrea Ramal, consultora em
educação e responsável por projetos de formação para professores, explica que
há uma grande tendência mundial chamada “metodologia ativa”, em que o foco
deixa de ser o professor centralizador do conhecimento e passa a ser o
estudante participante, por meio de discussões e tecnologias. Cabe ao docente a
função de ensinar o aluno a refletir e discernir as informações.
— Não adianta gastar o tempo na
sala apenas expondo material. A tendência é deixá-lo ver os vídeos na internet
antes e aproveitar o tempo para fazer estudos de casos, orientações e tirar
dúvidas. Isso exige um bocado do professor, porque é mais fácil levar uma aula
pronta — avalia Andrea.
Esta mudança é também destacada
por João Carlos Padilha e Silva, diretor acadêmico do Centro Universitário
Celso Lisboa, e por Cláudio Tomanini, professor de MBA da FGV. Para eles, não
se trata apenas de oferecer avançados recursos tecnológicos (que são relevantes
e bem-vindos), mas, também, criar um espaço em que a proposta central não é
passar adiante o que sabe, mas sim interagir e ensinar o aluno a questionar,
analisar e filtrar a enxurrada de informações recebidas diariamente.
Outro ponto levantado pelos
profissionais é que, além de levar o estudante a ser mais analítico, o
professor tem o papel de ajudá-lo a desenvolver sua capacidade de ser um
cidadão responsável no uso da informação. Isso significa tanto impedir o
aumento da disseminação de informações falsas pelas redes sociais, quanto saber
digerir o que se recebe.
— Antes, o professor tinha esse papel de deter a informação e ensinar o que tinha. Agora, ele não é o único a deter o conhecimento. Essa nova relação mais dinâmica leva o profissional a buscar aulas menos teóricas e a ampliar os recursos didáticos para haver motivação do aluno — corrobora João Carlos.
— Antes, o professor tinha esse papel de deter a informação e ensinar o que tinha. Agora, ele não é o único a deter o conhecimento. Essa nova relação mais dinâmica leva o profissional a buscar aulas menos teóricas e a ampliar os recursos didáticos para haver motivação do aluno — corrobora João Carlos.
Tomanini categoriza em três tipos
de perfis de professores os mais comuns na pós-graduação. Um deles é o
catedrático, que valoriza a formalidade de 20 anos atrás, em que ele centraliza
o poder dentro da classe e o aluno tem que respeitá-lo de forma absoluta.
No outro extremo, diz, está
aquele profissional que vê o estudante como cliente e tem medo de não ser
querido pelos alunos. Aí, muitas vezes, a aula vira um show.
— E entre eles existe o mais
equilibrado, cujo desafio é transformar a aula em algo dinâmico. Esse professor
usa ferramentas de vídeo e uma linguagem mais coloquial, fala da atualidade, e
não de cases antigos, integra e reconhece as competências individuais — afirma
Cláudio Tomanini, que acrescenta:
— O aluno é mais superficial hoje, lê tudo sem se aprofundar. O nosso papel é ajudar a levá-lo a imergir, a ser analítico e crítico.
Segundo o consultor pedagógico da
Eleva Educação, Daniel Jacuá, a tecnologia não apenas muda a relação entre
professor e aluno dentro de sala como também pode — e deve — ser usada para
incrementar a aula. Ele exemplifica com questionários online e em tempo real,
vídeos, links, entre outras ferramentas.
— Hoje em dia, é preciso
interagir com o alunos por meio da tecnologia, pois esta faz parte da realidade
deles. O professor precisa estar atento e inserir na medida do possível. As
experiências que estamos tendo dessa inserção tecnológica têm gerado mais
impacto do que os métodos tradicionais — afirma Daniel.
OS PLANOS DE CARREIRA
Alunos com mais acesso às
informações em um mundo digital crescente transformam a relação entre professor
e aluno e o conteúdo apresentando em classe. E as mudanças vão além disso.
Segundo os educadores, incluem salários, plano de carreira e condições de
trabalho.
— É uma carreira desafiadora
porque, dependendo da rede, as condições são difíceis. Não existe um cenário
ideal e, muitas vezes, não há incentivo para o crescimento. Por outro lado, a
despeito das barreiras, vemos em pesquisas que o que mais motiva é o brilho no
dia a dia, o contato com aluno e fazer a diferença na vida de outras pessoas.
Houve melhorias na profissão, mas ainda falta muito. É preciso avançar mais em
condições de trabalho e plano de carreira — defende Olavo Nogueira, diretor de
políticas educacionais da instituição Todos Pela Educação.
Ele levanta uma outra tendência
no mercado: as instituições privadas têm se empenhado em planos de carreira
para manter os professores em período integral, dando fim às jornadas múltiplas
— um contraponto aos concursos.
— É uma tendência tímida, mas há
uma percepção em algumas escolas de que esse modelo é benéfico para todos. O
professor estreita os vínculos e tem um plano de carreira, enquanto o aluno e
escola ganham a dedicação integral deste profissional.
SALÁRIOS MELHORES
Uma questão antiga e sempre
presente na carreira do professor é a remuneração. Nem toda escola pública paga
mal. E nem toda particular remunera bem os seus mestres. Isso vai depender do
estado e do município, ou da empresa privada. Os salários, de maneira geral,
estão melhores, ainda que aquém do ideal, segundo os especialistas.
— Nos ensinos fundamental e médio
há uma procura maior dos profissionais pelas escolas particulares. Já no
superior, os professores visam mais as públicas. Mas isso é bem relativo. Por
exemplo, a UERJ está com salários atrasados, mas tem outras universidades que
remuneram muito bem, assim como há municípios que pagam bem e oferecem uma
projeção boa de carreira — explica a consultora na área de educação Andrea.
Tomanini critica o estigma de que
professor ganha mal e defende que, se por um lado o ensino no Brasil não é
reconhecido e há um grave problema social e político em torno disso, por outro
há caminhos para aumentar a renda.
— A regra do mercado já está
preestabelecida e o professor entra na carreira tendo consciência disso.
Contudo, dentro da profissão dele, há outros caminhos. Claro que há diferenças
sociais, mas o profissional também é responsável por sua transformação. Um
exemplo são os professores de cursinho que conseguem explicar coisas complexas
de uma forma que o aluno se identifica — argumenta Tomanini. — O que faz um
profissional se destacar não é só o esforço, mas também ter uma gestão da
própria carreira e ter um olhar de dinâmica diferenciada dentro da carreira,
pensando fora da caixa.
POR RAPHAELA RIBAS
Leia mais: https://oglobo.globo.com/economia/emprego/perfil-do-professor-precisa-se-adaptar-aos-novos-tempos-21947197#ixzz4vrHktTAg
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