Educadores divergem sobre meta de 10% do PIB, mas concordam que é preciso melhorar a gestão dos recursos disponíveis. Priscila Cruz, diretora-executiva do Todos Pela Educação, alerta para a qualidade dos gastos
Aumentar investimentos na Educação pública. Ampliar vagas em Creches,
equiparar a remuneração de Professores à de outros profissionais com
diploma superior, erradicar o Analfabetismo, implantar o Ensino integral
em 50% das Escolas públicas. Essas estão entre as 20 metas a serem
cumpridas num prazo de 10 anos de acordo com o Plano Nacional de
Educação (PNE), aprovado na semana passada pela Câmara. O projeto, que
ainda vai a plenário, prevê ainda um aumento considerável da parcela do
PIB destinada ao setor: até 2022, 10% do total das riquezas geradas pelo
país. Atualmente, o percentual é 5,1%.
A perspectiva de dobrar o investimento no setor anima quem defende que
isto é necessário para compensar o atraso educacional do país, mas gera
também críticas de quem considera que a Câmara cedeu aos movimentos
sociais de olho nas eleições. Para esses, a meta é inalcançável e o
problema não é de dinheiro, mas sim de qualificação profissional e de
falta de demanda social por Educação de qualidade.
Mesmo os defensores do plano afirmam que dobrar investimentos num setor
marcado por problemas será um desafio, e que o governo precisará rever a
forma como irá compor o Orçamento, que deve estar atento para que os
custos não sejam repassados - em forma de impostos - à população já
sobrecarregada.
- Fomos os primeiros a calcular que o investimento na Educação deveria
ser de 10,4% do PIB, mas a sociedade precisa discutir, e pressionar,
como isso será feito. Há muitos pontos ainda sem resposta, ou com
respostas ruins e contraditórias - diz Daniel Cara, coordenador geral da
Campanha Nacional pelo Direito à Educação, que cita como exemplo a
"grande diferença" entre o que gastam a União (20%) e os estados e
municípios (cerca de 30% cada) com a Educação. - Desses 20% muito pouco
vai para a Educação de base, a maioria é para a universitária. A União
precisa investir mais nas crianças e nos adultos que ainda não foram à
Escola. Em relação aos gastos de estados e municípios, este dinheiro
precisa ser mais bem fiscalizado - completa.
Priscila Cruz, do movimento Todos Pela Educação, alerta ainda para a
qualidade do gasto. Os investimentos do Governo Federal com Educação
eram 3,9% do PIB em 2000, hoje são 5,1%. Baseada em dados colhidos do
Prova Brasil e do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica
(Saeb), a organização calcula que, atualmente, apenas 11% dos Alunos
saem da Escola com um aprendizado considerado bom em matemática - o
mesmo índice de dez anos atrás. Em português, a taxa é um pouco melhor:
28%.
- Mesmo assim, é muito baixo, demonstrando que só mais dinheiro não
resolve. Outra coisa é o tema da evasão Escolar: quase quatro milhões de
crianças estão sem frequentar a Escola. É um absurdo o PNE não ter uma
meta para levar a criança de volta à instituição de Ensino. O país gasta
dinheiro demais com repetência e evasão - diz ela.
- Aumentar o investimento em Educação é importante, principalmente por
parte do governo federal. Também ajuda saber que, com a queda da
fecundidade, a população em idade Escolar está diminuindo, o que ajuda
no esforço de aumentar o investimento por criança. Mas precisamos
discutir o que faremos com esse dinheiro. Hoje, o Brasil não tem feito
bom uso dos recursos disponíveis - afirma o diretor-executivo da
Fundação Lemann, Denis Mizne.
Para ele, a prioridade no uso desses novos recursos que podem vir
deveria ficar com a Educação básica. Ele cita também como investimentos
importantes o aumento da jornada Escolar, especialmente em Escolas que
atendem Alunos de baixa renda, e reformas no currículo, para que
Professores tenham mais clareza do que se espera que os Alunos aprendam,
além da melhoria da formação Docente.
O economista Gustavo Ioschpe diz acreditar que "com certeza" o atual
orçamento atenderia às necessidades, se fosse melhor empregado. Ele
lembra que 5% do PIB é igual à média empregada pelos países da
Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) como os
europeus, a Coreia do Sul, o Japão, o Chile - que têm mais qualidade de
Ensino.
Dobrar o investimento em Educação, para ele, é totalmente irreal - e há o risco do PNE "virar letra morta". Se implementado, prejudicará ainda outras áreas da economia.
Dobrar o investimento em Educação, para ele, é totalmente irreal - e há o risco do PNE "virar letra morta". Se implementado, prejudicará ainda outras áreas da economia.
- O país já sofre com um Estado paquidérmico, que consome quase 40% do
PIB em impostos. Somar mais 5% a essa carga, quando o país já gasta o
suficiente em Educação, é uma insanidade. Se isso for cumprido, vamos
perder mais dez anos lutando para realizar esse gasto, e aí talvez a
sociedade perceba em 2022 o que todos os estudiosos do tema já sabem
hoje: que mais dinheiro não comprará Educação de qualidade. Quem dera o
problema fosse tão simples - pondera o economista.
Alto investimento não garante aprendizado
Estudo internacional revela que países com melhor desempenho não são os que mais gastam
Estudo internacional revela que países com melhor desempenho não são os que mais gastam
No momento em que o Brasil planeja dar um grande salto no nível de
investimento em Educação, convém analisar com calma como os países com
melhores resultados no Pisa (exame internacional que compara o
desempenho de Alunos) utilizam os recursos disponíveis para traduzir
este esforço em efetivo aprendizado. Um informe publicado neste ano pela
OCDE, entidade que organiza o exame, revela que altos gastos não
garantem melhor qualidade do Ensino.
O estudo comparou o desempenho de Alunos em testes de leitura em 43
países com o nível de gasto por estudante de 6 a 15 anos. O Brasil, por
exemplo, aparece no levantamento com um gasto médio de 18 mil dólares
por Aluno (numa comparação em que já é levada em conta o custo de vida
em cada país).
É, por exemplo, 44% a mais do que o verificado na Turquia. Os
estudantes turcos, no entanto, estão em média 52 pontos à frente dos
brasileiros na escala do Pisa, o que equivale a dizer que os brasileiros
estão quase dois anos atrasados em relação a eles em termos de
aprendizado.
Apesar do contraexemplo brasileiro, para a OCDE, há uma relação mais
clara entre nível de gasto no Ensino e melhores resultados no Pisa até
uma faixa de 35 mil dólares (o Brasil ainda não chegou a metade disto). A
partir desta linha, no entanto, há pouca relação entre maiores gastos e
melhores resultados.
O trabalho dá exemplos de países que chegam a investir mais de 100 mil
dólares em cada um de seus Alunos, caso de Luxemburgo, Noruega, Suíça e
Estados Unidos. Essas nações, no entanto, não são as que apresentam
melhor desempenho educacional. Coreia do Sul, Finlândia, Hong Kong e a
província chinesa de Xangai gastam muito menos, mas apresentam
resultados muito melhores.
Que lição então esses países têm a dar às nações que almejam igualá-las
em termos de desempenho? Para os autores do estudo da OCDE, há duas
características em comum.
A primeira delas é que há um investimento forte na qualidade do
Professor, em boa parte explicada pela maior atratividade dos salários
dos Docentes nesses países.
Com isso, esses profissionais mais bem qualificados e selecionados
garantem a seus Alunos melhores resultados em termos de aprendizado
mesmo quando dão aulas em turmas maiores. O recado, portanto, é claro:
entre investir na qualidade do Professor ou na diminuição do número de
Alunos por sala, melhor ficar com a primeira opção.
A outra característica comum a todas as nações é que elas trabalham
para que todas as crianças aprendam, não aceitando que nenhuma fique
para trás em termos de aprendizado em relação às demais.
"Países bem-sucedidos no Pisa têm altas expectativas para todos os seus
Alunos. Escolas e Professores nesses sistemas não permitem que Alunos
em dificuldade fracassem. Eles não deixam que esses estudantes repitam
de ano, não os transferem para outras Escolas, não tentam segregá-los em
outras turmas baseado em seu baixo desempenho", aponta um trecho do
estudo.
O trabalho, em resumo, revela que dinheiro é importante até um certo
nível de gasto. A partir daí, mais importante do que quanto se gasta, é
saber como se gasta.
Fonte: O Globo (RJ)
http://www.todospelaeducacao.org.br
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