segunda-feira, 5 de novembro de 2018

'Sem uma educação de qualidade, estamos condenando nossas crianças e jovens à exclusão social'

"Há 90 anos, quando nascia o jornal Estado de Minas, nem sequer tínhamos uma educação pública bem estruturada. A pasta responsável pela área foi criada apenas em 1930, dividindo espaço com a saúde, sob o nome de Ministério dos Negócios da Educação e Saúde Pública. Passaram-se 23 anos até a separação das duas áreas, sendo que a educação passou a ser gerida com a cultura, pelo Ministério da Educação e Cultura (MEC). Apenas em 1985, o MEC pôde de fato dedicar-se apenas à área.

Essa demora em ter um órgão executor dedicado às políticas educacionais sinalizava o quanto a educação demoraria a ser prioridade no país. Um olhar comparativo sobre a alfabetização pelo mundo mostra isso. Em 1950, o Brasil tinha só 49% da população alfabetizada. Os chilenos e argentinos, por outro lado, tinham taxas de 79% e 82%, respectivamente. O abismo fica ainda mais evidente quando nos comparamos à Inglaterra, que atingiu nossa taxa de 1950 três séculos antes! A fim de recuperar o tempo perdido, o Brasil esforçou-se para, nas décadas seguintes, incluir mais crianças e jovens nas escolas. Ampliou a obrigatoriedade da matrícula, definiu fontes de financiamento para a educação e criou outras políticas educacionais para apoiar redes de ensino, como fornecer material didático às escolas. Hoje, o ensino fundamental é praticamente universalizado e o acesso à pré-escola segue o mesmo caminho.
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Tudo isso deve ser comemorado, mas, se essas iniciativas aumentaram o número de crianças na escola, não conseguiram dar cabo à falta de qualidade na aprendizagem. A Avaliação Nacional de Alfabetização (ANA) de 2016 mostrou que 55% dos alunos entre 8 e 9 anos não sabiam ler nem fazer operações matemáticas básicas esperadas para a idade. Como uma alfabetização precária reverbera em toda a trajetória escolar, não é de se espantar que as crianças e os jovens abandonem a escola – dados do IBGE mostram que 40,8% dos jovens de 19 anos não tinham o ensino médio completo em 2017.

O quadro é urgente: sem uma educação de qualidade, que prepare para a vida, cidadania e mercado de trabalho, estamos condenando nossas crianças jovens à exclusão social e nosso país a crises cíclicas e sobrepostas, como as que temos vivido nos últimos anos.

Mais emprego e renda, qualidade de vida e aprendizado para conviver em sociedade são avanços que começam nas salas de aula. E a virada de jogo nas crises política e econômica do país, também. Precisamos mudar e mudar já. Para isso, os próximos governantes do Brasil e dos estados devem dar prioridade às políticas que fomentam o aprendizado dos estudantes e a valorização de nossos professores.

"Mais emprego e renda, qualidade de vida e aprendizado para conviver em sociedade são avanços que começam nas salas de aula"
Priscila Cruz, cofundadora e presidente-executiva do Todos pela Educação

Sabemos o que precisa ser feito. Temos dados, evidências e experiência baseada em boas práticas que estão dando bons resultados, aqui mesmo no Brasil. Nesse sentido, o Todos Pela Educação lidera uma iniciativa com propostas prioritárias para a educação dar um salto de qualidade com equidade – agenda suprapartidária que deve começar a ser implementada pelo governo federal em 2019, a fim de que dê resultados já em 2023. Independentemente de quem sejam nossos próximos governantes, a vitória precisa ser a prioridade para a educação. Negligenciar isso é descuidar do futuro do país e, daqui a 90 anos, ver-se novamente na lanterna do desenvolvimento social."

Priscila Cruz, cofundadora e presidente-executiva do Todos pela Educação

Para Priscila Cruz, cofundadora e presidente-executiva do Todos pela Educação, "o quadro é urgente"

Influenciador pessoal, o Professor

Neste mês dos professores, precisamos fazer da docência uma causa de todos


No Dia do Professor deste ano, dei uma palestra no Museu do Amanhã, no Rio de Janeiro, para professores e pessoas ligadas à Educação Pública. Na ocasião, uma professora da plateia, chamada Maria Alcina Quintela, fez uma intervenção que eu adorei: “neste mundo em que influenciadores digitais são cada vez mais poderosos, precisamos entender que os docentes são os maiores influenciadores pessoais”. Ela tem razão. Professores são influenciadores de uma vida toda!

Apesar das diferenças entre as gerações, eu mesma tive vários professores que me marcaram muito. A primeira foi a “Tia Angela”, Angela Santos Caruso, minha professora no Jardim I e depois no Pré II, nomes que usávamos para a Pré-Escola naquela época. A Angela foi quem me alfabetizou, com quem eu primeiro me correspondi por cartinhas; ela foi a primeira a me dizer que eu escrevia bem (até me estimulou a escrever um livrinho aos sete anos) e a me dar livros com dedicatórias lindas. Foi a Angela que me ensinou a gostar de estudar e, por isso, a ser uma boa aluna. Esse é o poder de um bom professor.

Para muita gente, infelizmente, o primeiro bom professor demora muito mais a chegar. Pode aparecer apenas nos anos finais do Ensino Fundamental ou ainda mais tarde, no Ensino Médio. Independentemente de quando essa empatia pedagógica ocorre, quando ela acontece, nossas vidas ficam marcadas para sempre.
Professores são influenciadores de uma vida toda!

Tendo dedicado a minha carreira às políticas educacionais, sei bem o valor desse profissional. O impacto de um professor melhor ou pior qualificado pode equivaler à perda de um ano escolar, conforme indicam estudos do pesquisador norte-americano Eric Hanushek. Diferentemente do que se imagina, os bons professores não são essenciais apenas para os estudantes, mas também para seus pares na escola, como aponta pesquisa recente da Fundação Carlos Chagas.

Mesmo diante de tantas evidências positivas sobre a importância dos professores, ainda formamos mal nossos docentes, damos a eles condições de trabalho inadequadas e os sobrecarregamos, impossibilitando, assim, um ensino de qualidade sem o qual jamais venceremos as múltiplas e sucessivas crises sociais, políticas e econômicas do Brasil.

Assim como a minha professora Angela, ou como o professor Jayse Antônio, educador de destaque em Pernambuco; ou ainda Débora Seabra, docente com Síndrome de Down que vem quebrando paradigmas, milhares de professores podem liderar uma guinada na aprendizagem brasileira, nossa principal e mais grave crise. Nem todas as pessoas terão a oportunidade de ir ao Memorial do Holocausto, em Berlim, Alemanha, por exemplo, nem a um centro espacial, mas bons professores podem colocar esses e outros assuntos no rol de referências dos estudantes, contribuindo para uma formação crítica.

Para que um ensino dessa natureza se torne realidade, os gestores públicos precisarão dar atenção a todos os aspectos da profissão docente: atratividade, formação, salário, condições de trabalho e carreira. Não basta olhar para um ou outro ponto, uma profunda mudança exige um plano articulado. Boas experiências e estudos científicos sobre o tema não faltam, todos apontando na mesma direção: para termos professores de qualidade, inesquecíveis e transformadores, todas as dimensões da docência devem ser recalibradas, ainda que não ao mesmo tempo.

Grande parte da vida de crianças e jovens dá-se nas escolas e precisamos usar esse tempo para uma aprendizagem significativa. Os professores devem estar preparados para mediar o conhecimento cientificamente comprovado e acumulado pela humanidade e, assim, lançar as bases para o progresso do Brasil. Essa é uma responsabilidade e tanto para os docentes, incumbência que só poderá ser efetuada com qualidade a partir do apoio de todos nós. Que isso nos sirva de combustível para que, neste mês dos professores, façamos da docência uma causa de toda a sociedade brasileira.

Priscila Cruz, presidente-executiva do Todos Pela Educação

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