quarta-feira, 24 de setembro de 2014

Analfabetismo cai, mas 13 milhões de brasileiros ainda não sabem ler

Dado foi levantado pela Pnad, do IBGE, divulgada ontem, e mostra que problema ainda persiste entre os mais velhos e nas regiões mais pobres

O número de analfabetos com mais de 15 anos caiu no Brasil no último ano, mas os que não sabiam ler e escrever ainda somavam cerca de 13 milhões em 2013. É o que aponta a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), divulgada ontem pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

A taxa de analfabetismo de 8,3% é 0,4 ponto porcentual menor que a registrada em 2012, o que significa 297,7 mil analfabetos a menos no país em um ano. No Paraná, 425 mil pessoas com mais de 15 anos eram analfabetas, em 2013. A pior situação se concentrava na faixa de mais de 60 anos (55%). No cenário nacional, esta também era a idade da maioria dos analfabetos, mas com representatividade de apenas 23,9% do total.

Conforme o levantamento, o analfabetismo cedeu no Brasil em todas as faixas etárias analisadas. Um avanço em relação a 2012, quando a Pnad havia registrado um aumento de 0,1% no analfabetismo entre brasileiros com mais de 15 anos frente a 2011.

Doutora em Educação, a coordenadora pedagógica do Grupo Uninter, Inge Suhr, ressalta que os dados não podem ser analisados de um ano para outro, uma vez que as políticas públicas tendem a surtir efeito no médio e longo prazo. “Essa lenta redução é fruto de políticas educacionais, de um compromisso que o Brasil assumiu, está dando certo, mas a passos lentos”, defende.

Segundo a professora, além dos mais de 13 milhões que não têm domínio algum da escrita e da leitura, é preciso olhar para o alto número de analfabetos funcionais – pessoas que foram alfabetizadas, mas têm dificuldade para interpretar e escrever com autonomia. A Pnad aponta uma redução na taxa de analfabetismo funcional de 18,3% para 17,8%, no período analisado. Já a taxa de escolarização entre 4 e 5 anos de idade alcançou 81,2%, 3,1% a mais que em 2012 (78,1%). O maior índice foi registrado na faixa de 6 a 14 anos (98,4%), que corresponde ao ensino fundamental. “Os dados levam a intuir que as pessoas estão atrasadas na relação idade-série, que há evasão, abandono. O ingresso está garantido na educação básica, mas ainda estamos longe da permanência e da conclusão com sucesso.”

Conforme a pesquisa, a maioria dos não-alfabetizados brasileiros eram mulheres (50,56%). Já a região com o pior índice é o Nordeste, que concentra 53,6% do total de analfabetos. “Se cruzarmos a questão da região com a raça, há taxa maior de analfabetismo entre a população negra e parda, uma desigualdade social histórica”, acrescenta Inge. A professora argumenta que os mais velhos não foram atendidos pelas políticas públicas de educação, que são mais recentes. “A legislação obriga que o sistema público ofereça vagas, mas não basta. Deve-se fazer uma busca mais ativa dessas pessoas, que não vão bater na escola porque pensam ‘vivi até agora, criei meus filhos, consegui fazer a vida assim’. É preciso incentivo, para acreditarem que a alfabetização pode mudar sua vida.”

Erradicação das piores formas de trabalho infantil ainda está longe

A Pnad também mostra uma redução de 12,3% no trabalho de crianças e adolescentes de 5 a 17 anos, de 2012 para 2013. A queda porcentual foi de 5 a 9 anos, faixa em que 24 mil crianças deixaram de trabalhar, o que representa diminuição de 29,2%. O nível da ocupação entre 5 e 17 anos foi de 8,4% para 7,4%. O indicador caiu em todas as regiões. Apesar da redução, 3,1 milhões de crianças e adolescentes ainda trabalhavam no Brasil, no ano passado. Cerca de 2,6 milhões (84,5% delas) eram adolescentes de 14 a 17 anos. O rendimento domiciliar mensal per capita de crianças e adolescentes que trabalhavam era menor (R$ 557) do que o dos que não trabalhavam (R$ 620). Mais de 60% dos ocupados de 5 a 13 anos estavam em atividades agrícolas.

Para Patricia Santin, gerente da Infância e Adolescência da Fundação Telefônica Vivo, apesar da queda progressiva do trabalho infantil, o ritmo ainda é baixo (“de 400 mil em 400 mil”), o que deixa o Brasil longe de atingir a meta de erradicação das piores formas – que sujeitam o menor a danos físicos, mentais e morais – até 2015. “O Brasil saiu de 10 milhões e está se esforçando nas últimas duas décadas, mas, nos últimos anos, o ritmo está lento.”

Ela ressalta que a diminuição da ocupação entre os mais novos se deve ao acesso universal à escola e a uma política de construção de creches, fortalecida nos últimos anos. Já os programas de transferência de renda afetam a redução do trabalho em todas as faixas de idade.

Empresas
Na tentativa de melhorar o cenário, a Fundação lançou, neste ano, uma campanha no semiárido, com foco no adolescente a partir de 14 anos, que já pode trabalhar como aprendiz. “Nessa região, de IDH baixo, há mais de um milhão de crianças que trabalham. Estamos esclarecendo o empresariado que, com mais de oito funcionários, já é possível ter um aprendiz. Por desconhecimento, muitos nessa idade trabalham na ilegalidade”, explica Patricia.

>Capital
Em Curitiba,1,5 mil adultos estão correndo atrás do tempo perdido

Em Curitiba, o núcleo de Educação de Jovens e Adultos (EJA) atende 2.567 estudantes e tem 1.522 matriculados na fase de alfabetização, segundo o município. O programa oferta matrículas para jovens a partir dos 15 anos, mas a maior parte dos inscritos tem mais de 40 anos. As vagas são distribuídas em 67 escolas municipais.

O curso completo, do ensino fundamental – que inclui a alfabetização – ao ensino médio, dura de quatro a seis anos, podendo variar, de acordo com o ritmo do estudante. É possível, durante o processo, ­­realizar um exame de equivalência para concluir algumas fases. “O intuito é que o aluno não pare a escolarização”, diz a coordenadora da Educação de Jovens e Adultos na prefeitura de Curitiba, Cláudia Chagas.

Há três anos, o aposentado Jassy Duarte da Silva começou a alfabetização no programa EJA, na Escola Municipal Joaquim Távora, na Cidade Industrial de Curitiba. Nascido na cidade de Luz (MG), ele veio para a capital paranaense em 1978, para trabalhar, e, agora, com 65 anos, está lendo e escrevendo. “Nunca é tarde para aprender. Na época, não tive oportunidade de estudar, tinha que trabalhar na lavoura. A leitura é tudo, faz muita falta. Hoje em dia, se não tiver estudo, fica difícil.”

Aos 55 anos, a dona de casa Rosa Pereira Kovalczykowski concluiu, na última terça-feira, o ensino médio pelo programa da prefeitura, doze anos depois de ingressar na primeira série do EJA. Rosa morou até os 12 anos em São Domingos do Sul (RS). Em Curitiba, o trabalho e o casamento a impediram de retomar os estudos. “Depois que meus filhos cresceram, decidi voltar”, conta. Para ela, a leitura mudou tudo no cotidiano “Eu podia ter um livro, podia falar melhor, o estudo ajuda a ter mais conhecimento. Se eu tivesse que começar tudo de novo, começaria”, garante.


>Outros “achados”
Tamanho médio das famílias brasileiras está em 2,9 pessoas

Os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios mostram que a família brasileira era formada por uma média de 2,9 pessoas, no ano passado. No período, quase 70% das mulheres com 15 anos ou mais tiveram filhos. No Brasil, a maior ocorrência de gravidez se deu na faixa dos 35 aos 39 anos (8%). Já no Paraná, a maior parcela de grávidas foi registrada entre 40 e 44 anos (8,5%).

As estatísticas de mobilidade populacional também mudaram pouco de um ano para outro. No ano passado, seis em cada dez brasileiros moravam na cidade onde nasceram. Cerca de 23% haviam mudado de cidade dentro do estado de nascimento. Apenas 15,76% mudaram de estado. No Paraná, 52% eram naturais do município, 30% mudaram de cidade dentro do estado e 17,2% vieram de outros estados.

O estudo mostra 74,5% dos brasileiros com casa própria. Em todo o país, 85% dos domicílios contavam com abastecimento de água em rede, 59% com rede coletora de esgoto, 89,8% com coleta de lixo, 99,6% com iluminação elétrica.


INFOGRÁFICO: Confira o índice de analfabetismo no Brasil aqui





Opinião: Os desafios da alfabetização mundial

Elizabeth Bettega Castor
Setembro é o mês em que a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) volta as atenções para a alfabetização mundial. Por isso, instituiu o Dia Internacional da Alfabetização, comemorado em 8 de setembro, para enfatizar a importância de reduzir os índices de analfabetismo.

Apesar de o número de analfabetos no mundo ter caído consideravelmente nas últimas décadas, ainda existe uma grande parcela da população que não sabe ler e escrever. Isso sem levar em consideração os analfabetos funcionais que, mesmo tendo conhecimento em leitura e escrita, ainda possuem sérias dificuldades para interpretação e entendimento. Então, não basta os governos batalharem apenas para melhorar os números de alfabetização, é preciso oferecer um aprendizado eficiente e de qualidade, que supra as necessidades da sociedade moderna.

Por mais que a meta de cada país seja gastar pelo menos 6% do Produto Interno Bruto (PIB) em educação, se avaliarmos os grandes contrastes sociais mundiais, esse número ainda é considerado baixo. Isso porque, na maioria dos casos, o analfabetismo está relacionado ao índice de pobreza. No caso do Brasil, o investimento atual é de 5,7% do PIB e a meta é aumentar o número para 10% até 2024, conforme estabelecido no Plano Nacional de Educação (PNE).

Em ano eleitoral, mais que em qualquer outro período, a questão da educação é amplamente debatida entre candidatos e propostas de governo. Porém, o tema não deve ser apenas propaganda de campanha, precisa ser enfrentado de frente. A educação de qualidade é essencial para melhorar a cultura do povo, pois abre portas para outros direitos básicos como saúde, trabalho, lazer e cidadania.

Algumas soluções já existem, basta colocar efetivamente em prática. Como, por exemplo, incentivar a criação de mais escolas em período integral. Nesses modelos, o aluno permanece mais tempo em contato com o aprendizado e desenvolve outras habilidades por meio de atividades extracurriculares. Além disso, elimina períodos que seriam ociosos caso a criança estivesse em casa.

Hoje, a maioria das instituições de ensino possui uma carga horária reduzida de quatro horas diárias que, se ampliada para sete horas, resultará em um nível de maior qualidade de ensino. Nessas três horas a mais que permanecem na escola, os estudantes podem receber reforço de disciplinas específicas e realizar atividades culturais como dança, teatro, música e práticas esportivas.

É na escola que parte da personalidade da criança é formada, pois ela passa a se relacionar com outras crianças, aprende que os laços da amizade são importantes, a respeitar o próximo e a exercitar a criatividade. Com um tempo de frequência maior, os alunos poderão aprender muito mais, resultando na construção de cidadãos de bem.

A educação é um dos pilares para uma sociedade fortalecida e sadia. Não podemos deixar que essa solução para tantos problemas acabe passando despercebida. Precisamos investir, e muito. Mas esse trabalho deve ser feito em conjunto, pois na coletividade conseguiremos obter o êxito esperado. Por isso o papel da instituição de ensino não deve se privar à transmissão de conteúdos pedagógicos. A escola deve ter como propósito a formação integral do aluno.

É preciso difundir não só a alfabetização, mas um ensino de qualidade, que proporcione ao cidadão, mesmo aqueles das camadas mais pobres, a reflexão e o entendimento sobre seus direitos. Somente assim será possível construir uma sociedade mais democrática para todos.

*Elizabeth Bettega Castor é presidente do Centro de Educação João Paulo II.

Fonte: Gazeta do Povo (PR)

http://www.todospelaeducacao.org.br

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