quinta-feira, 20 de julho de 2017

Nosso problema com a matemática

A segunda prova da Olimpíada Internacional de Matemática (IMO, na sigla em inglês) começa daqui a pouco no Rio de Janeiro. Embora exija apenas conhecimentos elementares, acessíveis a quem domine o programa do ensino médio, é uma prova dificílima, feita por pouco mais de 600 alunos de cento e poucos países (na foto, a equipe do Brasil). É uma conquista para a matemática brasileira, que recebe o evento pela primeira vez, parte do progresso no país daquela que o alemão Karl Gauss considerava “a rainha das ciências”.

O Brasil também abrigará ano que vem, pela primeira vez no Hemisfério Sul, o Congresso Internacional de Matemática. O brasileiro Artur Ávila ganhou três anos atrás o mais importante prêmio da área, a medalha Fields. O percentual de trabalhos acadêmicos de matemática com autoria brasileira subiu de 0,5% para 2,1% entre 1985 e 2015.

As competições anuais de matemática realizadas no Brasil mobilizam um total estimado em 18 milhões de alunos – as principais são a Olimpíada Brasileira de Matemática e a Olimpíada Brasileira de Matemática das Escolas Públicas. Elas têm incentivado o aprendizado e o gosto por uma matéria que muitos ainda insistem em ver como bicho-papão.

Graças a tais iniciativas, conseguimos melhorar nossa participação em competições internacionais como a IMO – ficamos em 15º lugar entre 109 países no ano passado, a melhor posição relativa já atingida. Levar as competições aos alunos de escolas públicas fez florescer talentos que antes jamais germinariam.

Ainda assim, o conhecimento do brasileiro médio em matemática continua sofrível. O analfabetismo em matemática (tema que já analisei em colunas aqui e aqui) é uma chaga que prejudica a qualidade da nossa discussão política, torna o país refém de todo tipo de populismo e nos condena a um modorrento provincianismo intelectual.

Persistem, entre brasileiros, o preconceito e a resistência cultural a um ramo do conhecimento essencial para a sociedade e a economia modernas. Ninguém sai por aí dizendo que “tem horror a frases”. Mas quantos não têm medo de confessar, até com uma ponta de orgulho, que “não têm jeito para números”? Pega até bem…

Não se trata de um problema restrito à população pobre ou à que não teve acesso a ensino de qualidade. O analfabetismo em matemática atinge todas as classes sociais de modo indistinto. Está presente diariamente na imprensa, nas reuniões do escalão mais alto das empresas e nos mais graduados postos de governo. Não impede ninguém de candidatar-se, nem de ser eleito, nem de ter sucesso nas maioria das profissões.

Barbaridades matemáticas, raciocínios falaciosos, comparações despropositadas e atentados à lógica são convidados de honra das páginas dos jornais. Mas, ao contrário do que ocorreu no universo das notícias falsas, ainda não surgiram “agências de checagem” para apontar as falácias e os erros crassos de matemática. Isso nem sequer chega a ser cogitado.

“Fico angustiado com uma sociedade que depende tão completamente de matemática e ciência e, contudo, parece tão indiferente ao analfabetismo matemático ou científico de tantos cidadãos”, escreve o matemático John Allen Paulos no livro Analfabetismo matemático e suas consequências, publicado nos anos 1980 e, infelizmente, ainda atual.

Minha experiência pessoal é semelhante. Debater o assunto nas redações ou nas redes sociais sempre foi fonte de frustração. Persiste a noção absurda de que a matemática nos afasta de algum componente “humano” abstrato, ao conferir um caráter preciso e concreto às discussões. Há ainda interpretações estapafúrdias, que tentam conferir ao tema um caráter ideológico, como se o teorema de Pitágoras pudesse ser de esquerda ou direita.

A meta, evidentemente, não deve ser levar todo brasileiro a resolver os problemas da IMO. Alfabetizá-los em matemática é bem mais simples. Envolve tão-somente noções de ordem de grandeza, proporção e percentuais, probabilidade e estatística, lógica e inferência – além de cálculos triviais. São merecidíssimos os aplausos à minoria de nossos alunos capazes de resolver os problemas difíceis das olimpíadas. Mas nosso problema real continua a ser a vasta maioria, incapaz de entender os mais fáceis.

por Helio Gurovitz
 
FONTE:http://g1.globo.com
 

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