quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

ESTADOS E MUNICÍPIOS SE DESOBRIGAM DE INVESTIR ROYALTIES EM EDUCAÇÃO

Pelas regras propostas, na exploração da camada do pré-sal, apenas a receita que cabe à União, bem inferior à destinada a prefeituras e governos estaduais, está comprometida com a Educação

Os royalties que Estados e municípios receberão da futura exploração e produção de petróleo na camada do pré-sal, onde concentra-se uma reserva marítima de mais de 15 bilhões de barris de óleo, não precisarão ser investidos em Educação. Isso é o que revela a análise detalhada da Medida Provisória 592 e dos vetos da presidente Dilma Rousseff às propostas de mudança da legislação do petróleo. Pelas regras propostas, na exploração da camada do pré-sal, apenas a receita que cabe à União, bem inferior à destinada a prefeituras e governos estaduais, está comprometida com a Educação e, ainda sim, não em sua totalidade.

Há uma semana, a presidente convocou os ministros da Educação, Minas e Energia, Casa Civil e Relações Institucionais para divulgar decisão de, na visão do governo, dar prioridade ao Ensino no novo formato de distribuição da riqueza do petróleo. "Só a Educação vai fazer do Brasil uma nação desenvolvida, é o alicerce do desenvolvimento e se o pré-sal e o petróleo são o passaporte para o futuro, não há futuro melhor do que investir na Educação dos nossos filhos e netos", disse, na ocasião, o titular do MEC, Aloizio Mercadante.

De acordo com o artigo 50-B da medida provisória, Estados e municípios terão que destinar à Educação, obrigatoriamente, 100% dos royalties dos contratos de concessões firmados a partir de 3 de dezembro deste ano, data de publicação da MP. Ocorre que o regime de concessão previsto nesse item da lei não contempla o pré-sal, mas campos de exploração cujas reservas são menores e localizadas fora dessa área de exploração.

O engenheiro Rafael Schechtman, diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBI) e ex-superintendente da Agência Nacional do Petróleo (ANP), explica que apenas os futuros contratos do regime de partilha contemplam a exploração no pré-sal. "Prefeituras e governos não precisarão gastar com Educação os royalties de onde virá o grosso do óleo, que é o pré-sal." Schechtman espera que as próximas rodadas de licitação dos blocos de concessão "rendam bom dinheiro". "O que se discute é se Educação vai usar tudo, tem município por aí que não terá onde investir, fará Escola de mármore."

No caso das futuras receitas do óleo negro localizado a cerca de 7 mil metros de profundidade (o pré-sal), numa fatia do litoral que vai de Santa Catarina ao Espírito Santo, apenas a União participará com aportes em Educação, apesar de Estados e municípios receberem 78% dos futuros royalties dessa área e o governo federal ter direito aos 22% restantes. A aplicação dos royalties que a União receberá provenientes do pré-sal será feita a partir da constituição de um instrumento financeiro batizado de Fundo Social, que ainda não foi criado e terá seus investimentos centralizados em aplicações no exterior quando a extração no pré-sal aumentar - atualmente são 200 mil barris de petróleo produzidos por dia.

Dos 22% do total dos royalties federais do pré-sal que irão para o Fundo Social, acrescidos de uma parcela do lucro (óleo excedente) e do bônus de assinatura do contrato de partilha, a MP determina que 50% dos rendimentos do fundo sejam direcionados "obrigatoriamente a programas e projetos para o desenvolvimento da Educação". A outra metade financiará outras áreas, como saúde, cultura, esporte, ambiente, ciência e tecnologia e mitigação e adaptação às mudanças climáticas.

"É difícil estimar quanto do pré-sal irá para Educação e quando. Vai depender do ritmo de produção das empresas e do ganho das aplicações desse fundo - que não deve ser muito alto, pois as aplicações serão no exterior e as taxas de rentabilidade andam muito baixas. Poderia ser muito mais dinheiro se Estados e municípios contribuíssem com uma parte, o que é justo pois eles terão a maior parcela dos royalties do pré-sal", avalia o economista Rodrigo Ávila, consultor legislativo e integrante da associação Auditoria Cidadã da Dívida. Para ele, o governo "inflou" a conta da Educação na divisão da futura riqueza do petróleo na divulgação da semana passada.

Daniel Cara, coordenador-geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, disse que esperava mais do setor petrolífero para garantir o aumento dos gastos públicos do país com Ensino, uma das principais metas do projeto de lei do Plano Nacional de Educação (PNE), que prevê a elevação desses investimentos de 5% para 10% do Produto Interno Bruto (PIB) em dez anos. "Se em 2016 o Fundo Social do pré-sal contabilizar R$ 10 bilhões e seus rendimentos gerarem R$ 1 bilhão adicional, a Educação receberia R$ 500 milhões naquele ano, valor inferior ao gasto com o dia da prova do Enem", calcula Cara.

Por meio de sua assessoria de imprensa, o Ministério da Fazenda, que participou da redação da MP 592, justificou o assunto sinteticamente: "A partilha não é exclusiva ao pré-sal e nem a concessão é exclusiva ao pós-sal". Especialistas da União e de governos estaduais e do mercado ouvidos pela reportagem discordaram desse entendimento.

Um dirigente especializado em pré-sal do Ministério de Minas e Energia, que pediu para seu nome não ser divulgado, reconheceu a ausência dos Estados e municípios na composição do patrimônio do Fundo Social. Segundo a fonte, trata-se de uma decisão consciente do governo. "Os entes federativos precisam ter flexibilidade para investir o dinheiro do petróleo em outras áreas, como infraestrutura e saúde. Dentro do governo, consideramos que os 100% das receitas dos royalties das futuras concessões representam um volume bastante significativo", disse.

A assessoria de imprensa do MEC informou que a não participação de Estados e municípios na composição do patrimônio do Fundo Social do Pré-Sal foi uma fórmula encontrada pelo governo para evitar eventual judicialização. Segundo Cláudio Madureira, procurador estadual do Espírito Santo, governos e prefeituras têm direito de discordar das regras estabelecidas pelos vetos e pela MP.

"Os Estados estão acompanhando atentamente a apreciação dos vetos e a aprovação da medida provisória. A obrigatoriedade do uso dos royalties na Educação pode ser interpretada como interferência na autonomia federativa, além de trazer o risco de engessar o orçamento. Priorizar a Educação é uma boa iniciativa, mas a exploração de petróleo impacta várias outras áreas, que também precisam ser endereçadas com do petróleo", diz Madureira, que também é autor do livro "Royalties de Petróleo e Federação", da Editora Fórum.

As regras atuais de exploração de petróleo no país estabelecem dois modelos: concessão (1997), para áreas menos produtivas em terra e mar, e partilha (2010), para o pré-sal, onde as reservas são mais abundantes em óleo e gás natural. A recente discussão pretendeu mudar as normas de distribuição da riqueza da produção petrolífera, ampliando a participação de Estados e municípios não produtores na divisão do bolo.

De acordo com a MP 592, as receitas oriunda das novas concessões ficaram 100% vinculada à Educação. Os royalties originados no pré-sal ficaram "livres", sem vinculação obrigatória no caso de Estados e municípios, embora não possam ser gastos para pagar pessoal ou dívidas, conforme lei de 1989. Como obras em infraestrutura estão liberadas, não está proibido, por exemplo, o uso da verba para colocar porcelanato em calçadas da orla, como fez a Prefeitura de Rio das Ostras (RJ).

Entidades pressionam por emendas

Para o cientista político Daniel Cara, "priorizar a Educação pública é transformar boas ações em fatos legislativos"

Inicialmente, foi bem recebido no meio educacional o anúncio dos vetos presidenciais da lei que redistribui a futura riqueza do petróleo e da Medida Provisória 592, que vincula parcialmente royalti es do pré-sal e de outras áreas à Educação. Avaliação mais pormenorizada dos textos, no entanto, frustrou ativistas e gestores do setor. Agora há mobilização para levar parlamentares a mudar a MP com o objetivo de assegurar mais recursos para o Ensino, inclusive oriundos dos contratos atuais.

"Está todo mundo papagaiando na mídia que vai ter um caminhão de dinheiro para a Educação. Mas quando? Do jeito que está proposto na lei anunciada pelo governo só em 2018 e nem a Dilma reeleita vai ver isso", critica Paulo Ziulkoski, presidente da Confederação Nacional dos Municípios (CNM).

Militantes da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), União Nacional dos Estudantes (UNE), União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (Ubes) e União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime) reivindicam vinculação de 50% à Educação das atuais e futuras receitas com royalties de Estados e municípios produtores e não produtores das concessões fora da área do pré-sal. As entidades querem ainda que os Estados e municípios também transfiram para o Ensino royalties do regime de partilha do pré-sal.

"Pela MP, só a União, com o Fundo Social, vai financiar a Educação. Isso não ficou, pareceu que o governo sobrevalorizou o anúncio. É pouco, são importantes os recursos do pré-sal de Estados e municípios", diz o cientista político Daniel Cara, da Campanha.

Cleuza Repulho, titular da Undime e secretária municipal de Educação de São Bernardo do Campo, lembra da pressão feita pela sociedade civil na aprovação do projeto de lei do Plano Nacional de Educação (PNE). Na ocasião, em junho, os deputados derrotaram o governo e fixaram em 10% do Produto Interno Bruto (PIB) a meta de investimento do país em Educação pública. "A riqueza futura do petróleo é uma fonte importante para bancar esse aumento. Vamos com tudo nessa batalha dos royalties, já vimos com o PNE que pressão funciona", conta Cleuza. (LM)

Aprovada urgência para votação de vetos presidenciais

Por ampla maioria e em clima de guerra, deputados federais e senadores aprovaram ontem urgência para que o veto da presidente Dilma Rousseff à mudança da distribuição da receita com petróleo (royalties e participações especiais) possa ser apreciado na próxima semana, em sessão do Congresso Nacional. A previsão é votá-lo na quarta-feira.

Parlamentares do Rio de Janeiro, o maior Estado confrontante com campos de petróleo e o que mais arrecada atualmente com o petróleo do mar, vão pedir ao Supremo Tribunal Federal nulidade da sessão, alegando "aberrações constitucionais" e desrespeito aos regimentos da Câmara, do Senado e do Congresso.

Foi uma derrota do governo e uma vitória expressiva dos Estados não produtores do petróleo, que querem derrubar o veto de Dilma para aumentar sua parte nos recursos das compensações financeiras pagas pelas empresas pela exploração do petróleo.

Prefeitos e governadores têm pressa. Querem mudar a distribuição da arrecadação atual, com campos já licitados. Rio e Espírito Santo só aceitam discutir nova regra para o futuro. O senador Wellington Dias (PT-PI), autor do projeto original que resultou no substitutivo aprovado por Câmara e Senado, vetado por Dilma, comemorou o resultado, mas disse que, se houver acordo com Rio e Espírito Santo, o veto pode nem ser apreciado.

A ideia é transformar a MP que destina recursos dos royalties para a Educação e muda as regras para campos explorados pelo regime de concessão com contratos assinados após 3 de dezembro, em projeto de lei de conversão. Nele, os confrontantes manteriam o que receberam em 2011, mas o acréscimo seria distribuído de forma mais equilibrada aos demais Estados e municípios.

Para Dias, a única resistência é do governador Sérgio Cabral: "Se não houver acordo, o veto será derrubado. Isso significará intransigência de um governador." A alegação principal apresentada pelos não produtores para uma repartição mais equilibrada é que nenhum Estado pode ser produtor de petróleo localizado no mar. Esse óleo, dizem, é da União.

O senador Francisco Dornelles (PP-RJ) reafirmou que o Rio não negocia "princípios", ou seja, mexer nos contratos já firmados. Explica que royalties é uma compensação para o Estado que produz ou sofre com a exploração no seu litoral.

A aprovação da urgência permite que o veto de Dilma passe na frente de outros cerca de 3 mil que estão pendentes de votação. Foram 408 votos sim (348 de deputados e 60 senadores) e 91 contra (84 de deputados e 7 de senadores). Houve uma abstenção de um deputado.

A sessão foi presidida pela deputada Rose de Freitas (PMDB-ES), vice-presidente da Câmara e do Congresso, que está em campanha para disputar a presidência da Casa, embora o líder do seu partido, Henrique Eduardo Alves (RN), seja candidato.

Representante do segundo maior Estado produtor, Rose não controlou os embates verbais, mas teve a atuação elogiada pelos representantes dos não produtores. Fora dos microfones, bateu boca com Anthony Garotinho (PR-RJ).

A assessoria do presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), que preside o Congresso, justificou sua ausência no comando da sessão dizendo tratar-se de uma prática comum, ou seja, ele sempre deixa essa tarefa para a vice.

Foi uma das sessões mais tensas do Congresso, marcada por gritos e bate bocas. "Há muito tempo não via uma sessão assim", afirmou o presidente da Câmara, Marco Maia (PT-RS). Parlamentares do Rio se revezavam no microfone, com sucessivas questões de ordem, apontando supostas violências ao regimento e à Constituição. "Nossa estratégia é deixar todas as barbáries que estão sendo cometidas consignadas em ata", disse o senador Lindbergh Faria (PT-RJ). A cada decisão favorável à maioria, Rose era aplaudida pelo plenário.

"A Constituição e os regimentos foram ignorados. A maioria se impôs pela força e não pelo direito", afirmou Dornelles. "Foi uma aberração jurídica e constitucional. Essa votação foi um tiro no pé, porque vamos vencer no STF", afirmou o deputado Alessandro Molon (PT-RJ).

Como reação, parlamentares de Estados não produtores alegavam que, havendo maioria, os ritos muitas vezes não são cumpridos. "O presidente não convocou a sessão no prazo que deveria. Como nunca fez em nenhum veto. A Casa não tem que ficar engessada dependendo do humor do presidente", afirmou o deputado Ronaldo Caiado (DEM-GO). "Essa matéria já foi votada cinco vezes na Casa e em todas vencemos por maioria esmagadora", disse o deputado Marcelo Castro (PMDB-PI), um dos articuladores da coleta de assinaturas para a urgência.

Fonte: Valor Econômico (SP)
http://www.todospelaeducacao.org.br

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