sábado, 30 de março de 2013

SERTÃO VIRA UM MAR DE BOAS NOTAS

Cidades no interior cearense obtêm resultados exemplares com simulados semanais, cuidadoras e reforço

A maioria dos Alunos da 8ª série da Escola Professora Júlia Elisa Farias, em Groaíras, sertão cearense, usa chinelo de dedo na sala de aula. Adolescentes, idade média de 14 anos, nenhum deles manuseia smartphones ou tablets. Alguns levam banana para completar a merenda que recebem no intervalo. É simples o prédio do colégio, fincado num bairro de periferia com ruas de pedra e barro, e cujo portão de acesso é trancado com arame enferrujado. Alguns Alunos, para estudar ali, chegam de carona no lombo do cavalo. Há duas semanas, compenetrados, meninos e meninas estavam diante do primeiro simulado do ano. Interpretavam o texto que ilustrava uma das tirinhas da personagem argentina Mafalda, garota de humor ácido e raciocínio rápido. Mal percebiam a movimentação da equipe do GLOBO. Estavam atentos a perguntas e respostas em diferentes matérias, as quais testariam o quanto aprenderam nos últimos dias.

Tem sido essa a rotina nos últimos anos, quando a Secretaria municipal de Educação adotou a aplicação de simulados semanalmente. A prefeitura ainda colocou cuidadores em salas de aula - profissionais que dividem espaço com os Professores para dar atenção especial a Alunos com dificuldade de aprendizado -, criou turnos especiais para aulas de reforço e pregou um quadro colorido na sala dos Professores que indica o grau de frequência e ausência dos Alunos por turma.

Média de país desenvolvido
Resultado: as crianças de famílias simples ajudaram a colocar Groaíras no ranking das Escolas com resultado surpreendente no último Índice de Desenvolvimento da Educação básica (Ideb). A nota da cidade foi 6,7, considerada uma média de países desenvolvidos (acima de 6,0). Assim como acontece em Sobral, segunda maior cidade cearense, que fica a 38 quilômetros de Groaíras, os Alunos dessa cidade também estão amparados pelo Programa de Alfabetização na Idade Certa (Paic), implantado no estado em 2007. Após cinco anos de trabalho, os resultados começaram a aparecer. Em 2011, os municípios atingiram a média satisfatória de Alfabetização.

Uma análise feita pelo Sistema Permanente de Avaliação da Educação básica demonstrou que 81,5% dos estudantes do Ceará encontram-se alfabetizados ao término do segundo ano do Ensino fundamental. Em 2007, esse percentual era de 40%. Com relação aos municípios cearenses, 178 atingiram médias de proficiência em nível desejável, seguidos de seis que estão em patamar "suficiente".
O reflexo positivo tem sido percebido em boa parte dos municípios do Ceará. De 11 cidades nordestinas com boas notas no exame, nove estão no estado.

Com pouco mais de dez mil habitantes, cerca de dois mil jovens estão distribuídos nas seis Escolas de Groaíras, em diferentes turnos. Desse total, 40% na zona rural. A cidade tem apenas 80 Professores efetivos. Chama a atenção a aparente falta de estrutura nas unidades de Ensino. As salas de aulas são simples, carteiras e cadeiras antigas e algumas janelas sem cortina ou persiana. Ao chegar de surpresa, no entanto, O GLOBO identificou quase todas as turmas em atividade. Além de simulados, vídeo de História do Brasil era apresentado aos Alunos de uma das séries, assim como rodas de leitura e aulas de reforço em uma área anexa ao colégio.

- Nossa prioridade é focar nas necessidades do Aluno. Este ano, vamos passar os simulados para cada 15 dias e, assim, poderemos ter mais tempo para fazer o diagnóstico individual dos Alunos - diz a secretária municipal de Educação, Ana Paula Lima Azevedo, que assumiu o cargo no início do ano.

Dentro do projeto de personalizar o sistema de aprendizado, o primeiro passo foi dado. A secretaria já identificou 94 Alunos com necessidade especial de aprendizado. São eles que se revezam em aulas de reforço e ganham atenção em salas improvisadas. José Cassiano Ximenes, de 12 anos, parecia brincar com jogos de encaixe. O garoto era auxiliado pela cuidadora Maria Antônia Paiva Souza, mãe de um menino com necessidades especiais, e,agora, responsável por tentar "acalmar" o garoto, considerado hiperativo e com déficit de atenção. Enquanto a Professora dava aula de Português, Maria Antônia focava atenção no menino.

- É importante a gente prestar atenção na dificuldade de cada Aluno. As crianças são muito diferentes umas das outras, e, muitas vezes, esse olho no olho é o que mais pode ajudar alguém com mais problema para aprender - diz Maria Antônia.

Também no sertão cearense, a cidade de Mucambo é outra que comemora bons resultados no Ideb. Com 15 mil habitantes, 3,1 mil Alunos e 18 Escolas, o município alcançou a nota 7,5 no ano passado. Resultado, segundo as autoridades locais, de um trabalho que vai além das salas de aula. Há anos, o município tem feito um trabalho porta a porta para tentar aproximar o máximo possível as famílias dos Alunos da Escola. Segundo a secretária municipal de Educação, Xarla Paulino Nepomuceno, os agentes de Ensino são orientados a ter encontros semanais com as famílias dos estudantes, melhorando desse modo o diagnóstico individual.

- Assim, a gente fica sabendo o que pode estar, de fato, prejudicando o rendimento de um determinado Aluno. Muitas vezes, ele não tem problema para aprender, mas tem uma situação doméstica que tira seu foco - diz Xarla.

Para melhorar esse trabalho, a prefeitura de Mucambo contratou duas psicopedagogas para acompanhar a relação entre a Escola e os Alunos, principalmente os matriculados do 1º ao 5º ano do Ensino fundamental. No caso de Mucambo, uma situação chama a atenção. O número de reprovados aumentou de 2011 para 2012, passando de 73 para 125 estudantes. A secretaria explica que não há o sistema de progressão continuada, como alguns estados adotaram.

- Os Alunos não podem passar de um ano para o outro sem conhecimento. Se isso acontece, acabaríamos tendo Alunos Analfabetos na quinta série, por exemplo - diz Xarla.
Além de Mucambo e Groaíras, outros sete municípios cearenses tiveram boas notas no Ideb: Sobral (7,3), Itarema (6,9), Jijoca de Jericoacoara (6,9), Pedra Branca (6,6), Independência (6,4), Novo Oriente (6,4) e Milhã (6,0).


Projeto bonifica alunos e professores no Ceará 
Desde que foi implantado, em 2007, o Programa de Alfabetização na Idade Certa (Paic), do governo do Ceará, focou não apenas no material levado às crianças da rede pública de Ensino. Embora tenha distribuído agentes responsáveis pela gestão do conteúdo didático nos 184 municípios do estado, o programa reservou parte de seu orçamento para também prestigiar Professores e as próprias Escolas. Em 2012, dos R$ 70 milhões reservados pelo cofre público para o projeto, quase metade foi direcionada à bonificação de Professores, reformas de unidades de Ensino e compra de material de apoio.

Com base nos resultados da Prova Brasil, os 150 municípios com melhor desempenho ganharam o equivalente a R$ 2,5 mil por Aluno. Até 25% dos recursos obtidos pelo Paic podem ser investidos em incentivos - pagamento de cursos, por exemplo - e gratificações diretas aos profissionais.

- Além de um incentivo ao Professor, esses recursos ajudam a melhorar o ambiente Escolar. Vai da compra de ar-condicionado à instalação de uma biblioteca - diz a secretária estadual de Educação, Izolda Cela, lembrando que a premiação depende de uma série de critérios adotados pela pasta. - Uma Escola com boas notas tem que, necessariamente, adotar uma Escola (com média) ruim. Essa cooperação é o que forma um conjunto de bons resultados em todo o estado - emenda.

Desde que foi adotado, o Paic tem sido a menina dos olhos das autoridades de Ensino naquele estado. Há cinco anos, quando foi criado, apenas 14 municípios apresentavam média desejável na escala de proficiência. Hoje, 178 unidades alcançam as metas.

- Mesmo assim, a estrada é ainda longa para resolver problemas na Educação, aqui e em todo o país - observa Izolda, lembrando que o programa está focado em cinco eixos fundamentais: Educação infantil, gestão pedagógica da Alfabetização, formação do leitor, gestão municipal de Educação e avaliação externa.

Antes focado nos Alunos do segundo ano do Ensino fundamental, o projeto passou a destinar agentes para atuar junto aos Alunos da rede pública até o 5º ano. A iniciativa cearense inspirou o projeto federal chamado de Pacto Nacional para Alfabetização na Idade Certa (Pnaic), criado pelo Ministério da Educação.

Na Escola Professora Júlia Elisa Farias, em Groaíras, os Alunos contam com apoio dos programas nas esferas estadual e federal. Com isso, a atualização do conteúdo didático é reforçado por investimentos ainda maiores. A colocação de cuidadora em todas as salas de aula é um dos reflexos dessa parceria.

- É bom que sempre tem alguém para dar uma atenção maior, né ? Assim não dá nem tempo pra ficar de converseiro - diz José Cassiano Ximenses, que teve a ajuda de uma cuidadora.

- Ele é esforçado, mas se distrai muito com as outras crianças e daí tem dificuldade de voltar a prestar atenção nas aulas. Meu papel aqui é justamente fazer com que ele e outras crianças consigam aumentar o grau de concentração - diz a cuidadora Maria Antônia Paiva Souza.

Desde que foi implantado o Pnaic, o governo federal já atingiu 4.997 cidades, o que representa 89,8% dos municípios do país. Segundo o MEC, até janeiro deste ano, outros 328 aderiram parcialmente, não concluíram o processo de adesão ou não se manifestaram. "Apenas oito optaram por não firmar o acordo que tem como objetivo assegurar que todas as crianças estejam alfabetizadas até os 8 anos de idade, ao final do 3º ano do Ensino fundamental", informou o órgão.

O Brasil tem 33 milhões de Analfabetos funcionais, pessoas com menos de quatro anos de estudo, e 16 milhões de habitantes com mais de 15 anos ainda não alfabetizados, segundo o IBGE.

81,5%
Percentual de estudantes cearenses que estão alfabetizados ao final do segundo ano do Ensino fundamental. Em 2007, esse percentual era de 40%, segundo o Sistema Permanente de Avaliação da Educação Básica .

Fonte: O Globo (RJ)
http://www.todospelaeducacao.org.br

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