quinta-feira, 7 de novembro de 2013

QUATRO VERSÕES DO PROFESSOR

Percepções variadas sobre uma missão em comum: ensinar

Uma sala de aula não é igual na Escola pública e na particular. O papel do Professor ganha conotações diversas nos contextos em que ele atua. E nem sempre a carga horária é diretamente proporcional à remuneração do Educador em cada rede de Ensino.

A reportagem destas páginas reúne parte dessa multiplicidade, apresentada a partir da rotina de quatro Educadores das redes estadual, federal, municipal e privada de Porto Alegre. Percepções variadas sobre uma missão em comum: ensinar.

A importância da valorização dos Professores é tema da campanha A Educação Precisa de Respostas, promovida pelo Grupo RBS e pela Fundação Maurício Sirotsky Sobrinho.


Na periferia, uma outra visão de ser professor
Quem ouve a batida do funk pelo corredor não desconfia que os Alunos da 7ª série estão tendo lições de filosofia. Eles reproduzem o ritmo do rap fazendo sons com a boca e cantam em coro o refrão. O Professor Renato Barbieri, 47 anos, até arrisca uns passos desajeitados no mambo, arrancando risos da turma.

Para Alunos que enfrentam o preconceito, uma aula sobre “música de negão”, nas palavras do Professor, pode ser altamente filosófica. Rosa Medeiros, 14 anos, garante que sim.
– As aulas dele fazem a gente pensar – reflete a estudante.
Unindo conhecimentos de história e geografia, já que tem as duas licenciaturas, Renato criou um projeto de Educação antirracista, com o qual foi reconhecido pelo prêmio Professor Excelência, da Secretaria Municipal da Educação, no ano passado.

Casado, mas sem filhos, ele “adota” como se fossem seus cerca de 300 adolescentes a cada ano na Escola Municipal Professor Larry José Ribeiro Alves, onde trabalha desde 2006. Antes de optar pelo magistério, chegou a cursar Engenharia Civil na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), largou a faculdade quando entrou no Banco do Brasil, mas o trabalho repetitivo de autenticar títulos o fez abrir mão da estabilidade da carreira bancária depois de 10 anos.

– Estar na sala é um desafio a cada momento, não há duas aulas iguais. Os colegas do banco achavam que eu era louco, mas é aqui que sou feliz – afirma.

O “aqui” é especificamente a Restinga. Quando começou a dar aulas, em 1997, trabalhou em colégios particulares e cursinhos pré-vestibular, até ser aprovado no concurso do município. Conviveu com Alunos que pegavam jatinho para passar férias fora do país no verão e hoje atende crianças que sequer saíram do bairro onde moram.

– Era gratificante ver um Aluno ser aprovado em primeiro lugar na UFRGS, mas quando deparei com a periferia tive outra visão do que é ser Professor, ou do que pode ser – filosofa.

Essa compreensão o motivou a montar uma horta para os Alunos cuidarem, como parte do laboratório ambiental. A relação com a terra vem desde a infância. Natural de Bento Gonçalves, estudou a produção de vinhos orgânicos no mestrado, faz a feira aos sábados pela manhã e gosta de ler sobre alimentação saudável no tempo livre.


Orgulho da carreira e paixão pela ciência
O telescópio no canto da sala não permite ao Professor de física Rafael Brandão, 38 anos, enxergar o futuro de seus Alunos, mas ele se empenha em fazê-los abrir os olhos para as possibilidades da ciência.

No laboratório do Colégio de Aplicação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), a turma de Introdução à Física da Atmosfera retira de suas maletinhas plásticas pequenos cabos coloridos. Os fiozinhos são cuidadosamente plugados em uma placa que se conecta ao laptop entregue pelo governo federal a cada Aluno no começo do ano letivo. Na tela, saltam dados de condições climáticas, como temperatura, umidade e pressão do ar.

São protótipos de estações meteorológicas de baixo custo, desenvolvidas por estudantes do Ensino médio em parceria com o Instituto de Física da UFRGS. A ideia é que, mais adiante, os protótipos sejam capazes de gerar dados ambientais, como indicadores de poluentes no ar e na água, e que o projeto seja estendido a outras Escolas da Capital, gerando dados sobre os microclimas da cidade – e levando conhecimento a mais estudantes.

– Dar aula no Ensino básico era um plano B, para o caso de eu não conseguir entrar no Ensino Superior, mas depois nem me inscrevi em outros concursos, porque acabei me realizando com a gurizada. Sinto que minha contribuição aqui é muito maior – descreve Rafael.

Filho de médico, ele estudou física médica para agradar o pai sem deixar de fazer o que gostava: contas. Não resistiu e entrou depois no bacharelado em Física. Começou a dar aulas particulares e mudou para licenciatura. Fez mestrado e doutorado em Ensino de Física. Deu aulas em cursinhos e supletivos nesse meio tempo, mas se considera Professor mesmo há três anos, desde que entrou no Aplicação. Pelos corredores da Escola, dá para entender por que ele se sente um Professor “de verdade” agora. A cada passo, Rafael é abordado por um Aluno, seja para cumprimentar, fazer uma brincadeira ou tirar uma dúvida de astronomia.

Apesar de ter sido desestimulado quando disse ao pai que levaria adiante o desejo de estudar Física, hoje se considera um vencedor na profissão que escolheu e espera que sua filha, a pequena e vaidosa Catherine, dois anos, tenha orgulho da carreira que ele escolheu.

ANA PAULA PINHEIRO
32 anos, Professora desde 2003, atua no 1º ano das séries iniciais – 20 horas-aula.

Eu me sinto valorizada quando... vejo o crescimento dos meus Alunos. Fico o ano inteiro com eles, todos os dias, então é muito gratificante ver quando um Aluno aprende a ler, quando consegue resolver um cálculo e quando se sente feliz em vir para a Escola.

Eu me sentiria mais valorizada se... houvesse um olhar mais atento para o Professor, tanto pelo governo, com políticas de valorização, quanto pela sociedade como um todo, porque para que outras profissões existam, sempre precisa haver um Professor.

RAFAEL BRANDÃO
38 anos, Professor desde 2010, da disciplina de física – 40 horas-aula

Eu me sinto valorizado quando... consigo estimular um Aluno a se interessar por ciência e tecnologia, porque acho que assim estou contribuindo com o meu país, estou sendo cidadão. Fico feliz quando encontro um ex-Aluno e ele me conta que estuda Engenharia.

Eu me sentiria mais valorizado se... a sociedade reconhecesse mais a importância do Professor. Aqui temos uma realidade diferente, mas também seria essencial um estímulo maior à qualificação e que este profissional fosse recompensado em todas as redes.

RENATO BARBIERI
47 anos, Professor desde 1997, ensina filosofia, história e geografia – 40 horas-aula

Eu me sinto valorizado quando... tenho liberdade para trabalhar em projetos diferentes e vejo que faz diferença na vida dos Alunos. E também quando o trabalho ganha visibilidade, aumenta a motivação.

Eu me sentiria mais valorizado se... tivesse mais recursos para trabalhar. Precisaria de mais cópias e cartazes maiores para as aulas, mas a Escola não tem condições e eu não posso bancar. É uma briga conseguir verba no poder público. Se as empresas apoiassem projetos, poderiam ter benefício fiscal e ajudariam a melhorar o Ensino.

CLAUDIA DUARTE
51 anos, Professora desde 2001, ministra a disciplina de história – 60 horas-aula

Eu me sinto valorizada quando... recebo o carinho dos Alunos. Passo muito tempo na Escola, almoço com eles, sento ao lado deles, converso, dou risada. Eles precisam desse vínculo com a gente.

Eu me sentiria mais valorizada se... a profissão de Professor fosse mais respeitada. Trabalhar 60 horas por semana é uma necessidade para aumentar um pouco a renda, mas até compromete a qualidade, por mais que a gente se esforce. Melhor seria se dedicar a um número menor de turmas e ter mais tempo para investir na formação. 


Fonte: Zero Hora (RS)

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