sexta-feira, 9 de agosto de 2013

A EDUCAÇÃO DO FUTURO

Para o jornalista Gilberto Dimenstein, especialista em Educação e Novas Habilidades do Profissional, aluno e professor devem aprender juntos

Aluno e professor aprendendo juntos. É dessa forma que o jornalista Gilberto Dimenstein, especialista em Educação e Novas Habilidades do Profissional vê a educação do futuro.

Ganhador dos principais prêmios destinados a jornalistas e escritores, Dimenstein é colunista da Folha de S. Paulo e integra uma incubadora de projetos da universidade de Harvard (Advanced Leadership Initiative). Desenvolve o Catraca Livre, eleito o melhor blog de cidadania em língua portuguesa pela Deutsche Welle. Autor de vários livros, entre eles Meninas da noite e O cidadão de papel, ambos da Editora Ática, o jornalista foi um dos palestrantes do Colegiado Nacional da Rede Pitágoras, grupo educacional vinculado à Kroton Educacional, realizado nos dias 23 e 24 de maio na Costa do Sauípe (BA). Ele falou sobre o tema Educação do futuro e concedeu uma entrevista exclusiva à Gestão Educacional.

Dimenstein considera que o professor, antes de tudo, deve ensinar o aluno a ser protagonista do processo de absorção do conhecimento e que, nesse processo, o docente é cada vez mais importante. Ele acredita que o futuro contempla uma educação universal, com trocas permanentes, inclusive no formato digital. Acompanhe a entrevista.

Gestão Educacional: Em sua opinião, como será a educação do futuro? As salas de aula, nos formatos que se apresentam hoje, deixarão de existir?

Gilberto Dimenstein: Ela [a sala de aula] pode existir, assim como o relógio de corda, sabe? É uma coisa do passado, porque a sala de aula foi montada a partir de uma invenção, chamada livro, feita por Gutenberg [inventor da prensa móvel]. Até então não havia sala de aula; o livro ajudou a massificar o conhecimento, o livro é o celular da época, em virtude da portabilidade que se tinha do conhecimento. Essa ideia de que vai existir um indivíduo transmissor do conhecimento, reunindo pessoas para ouvi-lo, num único espaço – e ele como dono de um conteúdo –, isso não funciona, isso já não faz sentido há muito tempo, porque as coisas não funcionam mais desse jeito. O que acontecerá é que a escola certamente será um lugar onde o professor será quase um tutor, trabalhará com as dúvidas [dos alunos] e instigará novas dúvidas nas pessoas, e ele fará a associação de informações, será grande auxiliar na curadoria do que é relevante e as crianças vão trabalhar em grupos, fundamentados em eixos transversais, multidisciplinares, interdisciplinares, sempre com a ideia de projetos. E isso não comporta a sala de aula, é como uma carruagem nos dias atuais, não funciona. Talvez seja útil para realizar alguns testes, mas não para o resto da vida, numa concepção em que você tenha que gerar uma série de habilidades, de capacidades simples, de empreendedorismo, de aprendizagem permanente, e num cenário em que há um processo de produção de informação num ritmo enlouquecedor. A escola tem que ser um centro de protagonismo, de produção de conhecimento, então aquela sala de aula com a pessoa falando, não tem mais razão de existir. Até mesmo porque é preciso ser muito bom para competir com o que há na internet hoje, em termos de transmissão de conteúdo. Tem que ser inumano, porque as aulas de hoje, de Física, Química, Biologia, Matemática, contam com incríveis recursos on-line, com animação, com a possibilidade de se fazer ensino adaptativo, em que o computador lê o que você está fazendo e sugere algo, não tem sentido [manter o modelo antigo].

Gestão Educacional: Frente a esse cenário, o que você sugere para a formação do professor e preparação da escola no Brasil?

Dimenstein: Para esse cenário, não vejo possibilidade. O brasileiro lida com desafios [na educação] desde o século 18, quando havia o analfabetismo, depois apareceu o analfabetismo funcional, aí o analfabetismo tecnológico e agora há outro tipo de analfabetismo, que é o analfabetismo da programação, que é outra linguagem. Sequer conseguimos ensinar às pessoas, no Brasil, em escolas públicas, Português e Matemática, as quais são base para aprender qualquer outra coisa. É um desafio enorme. Mas, ao mesmo tempo, confio muito na ideia de que com a tecnologia você vai ajudando a criar. Não significa que o professor esteja ficando menos importante, ele fica mais importante ainda, porque passa a ser alguém que ajuda a fazer associação de ideias, das mais diferentes ideias, para que as coisas façam sentido.

Gestão Educacional: O que o Brasil pode aproveitar das experiências internacionais, na educação, que você acompanha com frequência?

Dimenstein: Há toneladas de coisas aqui mesmo no Brasil. Há muitas escolas, muitas pessoas fazendo experimentações, com eixos multidisciplinares, trabalhando com temas ligados ao meio ambiente, à cidadania, há coisas muito interessantes. Eles [os projetos] só não são a regra do sistema educacional, que ainda é muito atado ao vestibular e ao Enem. Ainda é bastante limitado. A coisa mais importante que eu vejo hoje no mundo, de fato, são essas experimentações feitas no ensino a distância, pelas universidades como Stanford, Yale, Harvard, MIT [Instituto de Tecnologia de Massachusetts], com as quais você consegue ter ensino a distância de qualidade, com certificado. Essa história de ensino a distância e ensino presencial é outra coisa que faz parte da nossa geração. No futuro, ninguém vai falar [em um tipo ou outro de ensino]. Você vai aprender, em casa, no trabalho, não vão dizer que estão aprendendo a distância. Vai ser assim: você passa um tempo na escola, aí passa um tempo aprendendo (a distância) em casa, e depois volta para a escola. Duas plataformas, especialmente, destacam-se: a edX, que é a mistura de Harvard, MIT e mais uma série de faculdades; e a Coursera, que é Stanford [e outras instituições]. Os sistemas são avançados, o professor ou o computador te responde, um grupo de alunos também. Há uma faculdade surgindo, chamada Minerva Academy (que um dos criadores é um ex-reitor de Harvard), que possibilita aos alunos ficarem viajando pelo mundo. Há um dormitório em São Francisco, outro em Shangai, outro em Londres, outro em Nova Iorque, então eles ficam viajando e, além do ensino a distância, ensina-se a vivência de campo, que é importante. Outra coisa óbvia: vivemos na época do compartilhamento de dados, o aluno, o jovem, compartilha tudo, o tempo todo ele está compartilhando. Na escola, não será diferente. É muito rápido, e o professor não é formado [nesse aspecto] porque a gente não sabe o que está acontecendo. Mas não é diferente no jornalismo, tem que correr atrás de inovações que a gente não sabe lidar.

Gestão Educacional: No ensino público, a situação é ainda mais complicada, porque escolas e professores ainda têm pouco acesso a inovações tecnológicas. A parceria da iniciativa privada é um caminho?

Dimenstein: É fundamental a iniciativa privada estar na educação pública, por vários motivos. Um deles é a mobilização. Quando temos empresários e a sociedade toda exigindo de secretários [de Educação] e de professores melhor desempenho, e ajudando-os a terem melhor desempenho, há resultados extraordinários, como vemos em várias partes do Brasil. Outro motivo é que a iniciativa privada tem experiência em gestão e no trabalho com metas, com avaliações, impactos durante o processo, o que é de muita ajuda. Eu gosto muito dessa ideia da pressão. Hoje, no Brasil, as pessoas estão reclamando da inflação, fala-se até que, se a situação não melhorar, a Dilma não poderá ser [reeleita] presidente, por exemplo. Imagine se fizéssemos a mesma coisa com os indicadores educacionais, se houvesse um incômodo. Há países em que, quando o índice educacional vai mal, o país entra em crise. Os Estados Unidos, por exemplo, quando encontram algum problema, debatem e buscam uma solução em comum. A imprensa também tem um papel significativo, deve cobrar melhores indicadores, explicar essas informações. Mas nada disso funciona se o diretor não for bom. É semelhante a um time de futebol, nos casos em que perde inúmeras vezes e o técnico não sabe como transformar aquele em um time melhor. Muitas vezes, isso acontece também na escola. A iniciativa privada pode ajudar nisso também, na preparação de gestores.

Gestão Educacional: Quais os benefícios da tecnologia para a educação?

Dimenstein: Há tanta experiência malsucedida com computador em sala de aula, ninguém sabe usar, quebra, não funciona. Acho que a importância que o livro, de Gutenberg, teve no passado para a gestão do conhecimento, aplica-se para o celular, hoje. O celular é o livro de hoje – só que o livro antes ficava em poucos lugares, inicialmente nos mosteiros, havia poucas livrarias no mundo, todo o conhecimento da humanidade era acessível a poucos. Hoje em dia, você tem todo o conhecimento disponível, por meio do celular. Claro que todo conhecimento não significa nada se você não souber usar. Mas podemos ganhar muito tempo com essa ferramenta, até para a formação do professor. No Brasil, hoje, há 250 milhões de celulares. Por incrível que pareça, o Brasil tem mais celular do que escovas de dente. A gente tem que aproveitar esse recurso. Não há solução fácil, porém, é um drama enorme [a questão da educação]. Como se atrai hoje os melhores talentos para trabalhar numa escola pública? O salário, não. A estabilidade, talvez, visando qualidade de vida. Mas trabalhar numa escola pública é um martírio: salas com muitos alunos, poucos recursos, baixo envolvimento familiar, meninos e meninas com as mais diferentes doenças, como psicológica, odontológica, otorrinolaringológica. Crianças que sofrem de depressão, de ansiedade, de hiperatividade, é uma luta. Eu digo que a única coisa comparável com a melhoria da educação foi a libertação dos escravos, é o mesmo patamar de importância. E a gente não conseguiu melhorar após a abolição dos escravos, isso não gerou uma sociedade mais inclusiva, até porque não tinha escola. E a educação, hoje, não está nem remotamente próxima do que precisa ser para sermos uma nação com alta produtividade, com avanço da tecnologia.

*A jornalista viajou a convite da Rede Pitágoras.

Fonte: Revista Gestão Educacional

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