sábado, 14 de julho de 2012

No Rio, valorização da equipe em escolas melhora resultados

Unidades bem avaliadas que atendem crianças pobres têm baixa rotatividade de professores

A baixa rotatividade no quadro dos professores, o bom relacionamento entre direção, corpo docente e alunos, reforço escolar para os que apresentam dificuldade e atenção redobrada com os que faltam são pontos em comum entre duas escolas da rede municipal do Rio que atendem crianças de baixa renda na Glória, Zona Sul da cidade, e em Bangu, na Zona Oeste. A Escola Municipal Maria Leopodina e o Ciep Professora Celia Martins Barreto têm Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) já acima da meta estabelecida pelo MEC para 2022: 6,0, patamar de países desenvolvidos.
Considerando a realidade nacional de pobreza — mais concentrada no Norte e Nordeste —, as duas escolas não chegam a atender alunos que se encontram no nível extremo de carência do país. Mas, mesmo assim, se destacam em levantamento feito a pedido do GLOBO pelo economista Ernesto Martins Faria, da Fundação Lemann, por terem bons resultados mesmo atendendo alunos pobres, considerando a realidade do Rio.
O prédio de seis andares que abriga a escola Maria Leopoldina não tem a arquitetura típica dos colégios municipais. Nem tampouco o interior da unidade, que atende 335 alunos da educação infantil ao sexto ano do ensino fundamental, em sua maioria — 90% — moradores da comunidade Santo Amaro, famosa por conta da cracolândia e atualmente ocupada pela Força Nacional de Segurança, parece com as escolas públicas do Brasil.
As paredes são decoradas com mural interativo — que muda todo mês e dá a chance da criança aprender brincando —, origami e frases que remetem ao projeto pedagógico, que este ano foca na máxima “gentileza gera gentileza” e em “um mundo sustentável”. O refeitório tem lugar para todos e as salas de aula estão decoradas com livros e material pedagógico. O Ideb, em 2009, foi de 6,3.
A diretora Sandra Cavalcanti, de 43 anos, e há 12 à frente da escola, diz que o bom resultado se dá por conta da equipe:
— A maioria dos professores está na escola há, pelo menos, 20 anos. Conhecem os alunos e os pais pelo nome, frequentam a comunidade e sabem a realidade das crianças — diz Sandra, que elogia a integração dos funcionários: — Do porteiro à merendeira, todos são comprometidos e conseguiram criar uma identidade acolhedora para a escola, onde a criança é feliz e tem a autoestima resgatada. Trabalhamos com uma comunidade que precisa ser valorizada.
O projeto pedagógico envolve todas as turmas. Cada sala tem uma palavra que remete ao tema “gentileza gera gentileza”, como amizade, amor, bondade e solidariedade. Por conta da Rio+20, a escola promove ainda atividades ligadas ao mundo sustentável, e algumas turmas têm aulas interdisciplinares: no 6 ano, a aula de música — com direito a professor específico e violão — trabalha “O Sal na Terra”, que é esmiuçada na aula de Ciências.
— Em outubro, eles vão trabalhar “Imagine” do John Lennon e a atividade vai envolver música, teatro e aula de inglês. Depois, faremos uma apresentação para os pais, que este ano já vieram ver uma exposição sobre como construir um ambiente mais solidário — diz Sandra.
‘Intenção é fazer diferença na vida das crianças’
Yago Madeira Souza, de 10 anos, está no 4 ano do ensino fundamental do Ciep Professora Celia Martins Barreto, em Bangu. Filho de uma empregada doméstica, o menino sonha alto: quer ser cientista. E já tem uma preocupação:— Quando eu for para o 6 ano, preciso de uma escola tão boa quanto essa. Tem que estudar muito para ser cientista, né?
O Ciep, que atende 330 alunos do ensino infantil ao 5 ano do ensino fundamental, a maioria moradores da Favela 48, do Sossego e do Morro do Sandá, oferece turno único, das 7h30m às 15h para o fundamental. A educação infantil é das 7h30m às 16h30m. Na sala de leitura, com professora específica, é possível ouvir histórias, desenvolver o gosto pela leitura e pegar livros emprestados. O Ideb, em 2009, foi 6,1.
— A maioria dos nossos alunos é criada por mães e avós. Muitas são domésticas ou trabalham em firmas de limpeza e não tiveram muito estudo. Sabendo dessa realidade, criamos uma relação afetiva com as crianças e com os pais. Aqui, elas não são um número — diz a diretora Christine Saisse, que lembra que o mundo delas é “restrito”:
— Muitas não conhecem nem o calçadão de Bangu. São crianças que nem sabem que podem sonhar, que não têm diálogo em casa. Então, a gente procura fazer com que acreditem que têm potencial. A ideia é que saibam que têm as mesmas condições de aprender de qualquer um. Mas para isso é preciso persistência.
Para dar conta do projeto, Christine conta com um quadro completo de professores, que têm horário específico para o planejamento das aulas:
— Eles ficam para trocar ideias e planejar as aulas. E se percebo que um não está integrado, converso, tento valorizar. A intenção é fazer diferença na vida das crianças.
Reforço escolar é importante trunfo para resolver dificuldades
As duas escolas do Rio com Ideb no patamar dos colégios de países desenvolvidos apostam no reforço escolar para driblar as dificuldades dos estudantes. Na Escola Municipal Maria Leopoldina, os alunos a partir da metade do 1 ano até o 6 do fundamental têm aulas de reforço de duas a três vezes por semana.
— A estrutura é montada para que elas cheguem ao 1 ano e deslanchem. Mas se apresentam dificuldade, professores e estagiários dão aulas de reforço. Além disso, a gente também fica de olho em quem falta muito — conta a diretora Sandra Cavalcanti.
No Ciep Professora Celia Martins Barreto, os estudantes do fundamental têm aulas de reforço até as 16h30m, mas a diretora Christine Saisse diz que a preocupação maior é com as crianças do 3 ano:
— Muitas vêm de outras escolas e chegam sem saber ler. Então, oferecemos o reforço, mas também chamamos os pais para que eles se comprometam a não deixar que faltem ou cheguem atrasados. O mesmo é feito com os responsáveis das crianças que estão em outras séries. Se a criança tem conceito I ou R, ela recebe atenção direcionada e os pais são avisados, até sedex a gente já mandou para casa de aluno — diz Christine, lembrando que a família é orientada se o problema for além da questão pedagógica:
— Pedimos que leve a criança ao posto de saúde, verificamos se ela enfrenta problemas em casa, se a hostilidade está emperrando seu crescimento. Agora, a gente não desiste e trabalha para que nossos alunos cresçam, tenham bons empregos e sonhos grandes.

Fonte: O Globo (RJ)

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