segunda-feira, 3 de setembro de 2012

Educadores não estão prontos para lidar com "Isadoras"

Segundo estudiosos, professores e diretores são despreparados para responder a denúncias como a da estudante que usou o Facebook

Aos 13 anos, a estudante Isadora Faber, de 13 anos, já detonou uma pequena revolução. Queixando-se, no Facebook, dos problemas de sua escola, atraiu em menos de dois meses cerca de 200.000 fãs para a página virtual "Diário de Classe", motivou reportagens na imprensa e provocou uma reunião de emergência na Secretaria de Educação de Florianópolis, que resultou em promessas imediatas de providências para sanar as falhas. Saltam aos olhos no episódio a força que uma ferramenta como o Facebook, quando bem usada, pode ter em benefício da educação e também o quão desatentos e despreparados estão os educadores para isso. Prova disso é que a secretaria admitiu que conhecia as denúncias de Isadora, mas só decidiu tomar providências depois que o caso virou assunto nacional.
"As redes sociais são armas poderosíssimas e os jovens descobriram isso antes dos adultos", afirma Maria Elisabeth de Almeira, professora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). João Mattar, pós-doutor pela Universidade Stanford e especialista no uso de tecnologias na educação, concorda. Para ele, as instituições ignoram as redes sociais porque não sabem o que está acontecendo nelas. Quando tomam conhecimento, consideram que as manifestações não são importantes.
Entre os especialistas, é consenso que reprimir ou ignorar as queixas dos estudantes é a pior alternativa. "Um profissional sem experiência pode achar que apagar um comentário resolverá o problema, mas ele não lembra que provavelmente aquele texto já circula em outro ambiente virtual", afirma Mattar. Ao se deparar com alguma crítica, os educadores devem procurar o estudante – via mensagem privada, por telefone ou pessoalmente – para ouvi-lo. "A escola precisa de uma atitude pró-ativa", diz.
De acordo com o educador João Manuel Moran, especialista em novas tecnologias, a ação de Isadora foi inovadora. Para ele, os professores ainda veem a rede social como um repositório de queixas sobre professores ou provas, por exemplo. No momento em que as reclamações se dirigiram para a infraestrutura escolar e suas falhas, os docentes e direção foram surpreendidos. "Isadora contribuiu efetivamente para a melhoria do sistema. Isso é um fenômeno novo, para o qual as escolas não estão preparadas. Elas só reagem depois que algo acontece", diz.
Para evitar surpresas desagradáveis, o secretário-adjunto de Educação do Estado de São Paulo, João Cardoso Filho, afirma que a secretaria está insistindo com os coordenadores pedagógicos das escolas para reativar os grêmios estudantis. O objetivo é estimular um canal pelo qual os estudantes se expressem – e reclamem. "A manifestação dessa aluna deve ter ocorrido porque ela não encontrava espaço para falar de suas angústias", diz Cardoso Filho.
"Ainda me pergunto por que houve repercussão tão grande", diz diretora da escola de Isadora Faber
Até uma semana atrás, a Escola Municipal Maria Tomázia Coelho vivia uma rotina pacata em Praia do Santinho, em Florianópolis (SC). A vida na unidade mudou no início desta semana, quando as queixas de uma aluna do 7º ano, Isadora Faber, de 13 anos, começaram a se espalhar pelo Facebook a partir da página "Diário de Classe". Ali, Isadora narra desde julho os problemas típicos de uma escola pública brasileira, como maçanetas quebradas e ausência de professores. A Secretaria de Educação convocou uma reunião de emergência e elegeu uma culpada pela situação: a diretora Liziane Diaz, de 29 anos, que admitiu "fragilidade na administração".
Ela mantém a posição na entrevista a seguir, concedida por telefone, mas defende que os defeitos administrativos podem ser explicados pelas virtudes pedagógicas da escola – que podem ser parcialmente comprovadas. No último Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), a unidade, que possui 632 alunos, obteve nota 6,1 nos anos iniciais do ensino fundamental, superando as médias de Santa Catarina (5,6) e da cidade de Florianópolis (5,8). Nos anos finais do ciclo, o desempenho é inferior: 4,8 – ante 4,9 da média estadual e 4,5 da capital. "Somos muito bem vistos pela rede municipal de ensino, o que faz com que sejamos uma unidade muito procucada por estudantes e seus pais", diz Liziane. Apesar de admitir os tropeços administrativos, ela afirma que ainda se pergunta "por que o caso provocou uma repercussão tão grande". "Acho que podíamos ter discutido mais os problemas em sala de aula e nos conselhos de classe", diz. Confira a seguir a entrevista da diretora.
Como a senhora tomou conhecimento da página da Isadora?
A escola mantém uma página no Facebook. Há algumas semanas, chegou um pedido para curtir uma comunidade: era a da Isadora, mas eu só soube disso depois, quando retornamos das férias de meio de ano. Em uma das aulas, um professor notou que estava sendo filmado pela Isadora, e os alunos comentaram que as gravações seriam postadas na internet. O professor tomou o celular dela, como é de praxe quando qualquer aluno utiliza o aparelho na sala de aula. Nesses casos, temos como procedimento padrão chamar os pais à escola para que eles retirem o equipamento. Foi o que aconteceu: tivemos um encontro com a Mel Faber, mãe da Isadora.
O que Isadora publica corresponde à realidade da escola?
Existem falhas, é claro, e eu assumo a responsabilidade por isso. Estou trabalhando para saná-las. Tenho um grupo muito qualificado e unido de professores e funcionários. O que Isadora publica é um recorte da realidade: eu gostaria que as pessoas conhecessem a escola como um todo. Somos muito bem vistos pela rede municipal de ensino, o que faz com que sejamos uma unidade muito procurada por estudantes e seus pais: temos até uma fila de espera para novos alunos.
Isadora diz que sofreu represálias da escola. Alguém chegou a pedir a ela ou à mãe dela para que a página fosse retirada do ar?
Não, em momento algum. O que fizemos foi pedir que ela tomasse cuidado ao publicar fotos de professores ou de outros alunos porque todos têm o direito de ter a própria imagem preservada.
Como a senhora e a comunidade escolar se sentem diante da repercussão do "Diário de Classe"?
Estamos, é claro, surpresos. Às vezes, ainda me pergunto por que o caso provocou uma repercussão tão grande. As questões que ela apontou, como problemas estruturais e a dificuldade com um professor de matemática, já foram todas encaminhadas.
Como está a relação dos professores e dos demais estudantes com Isadora?
Queremos que a Isadora se sinta bem na escola, mas os alunos estão divididos. Ainda não consegui fazer uma reunião com todos para falarmos sobre este assunto.
A senhora se arrepende de algo? Acha que poderia ter agido de outra maneira?
Não sei. Às vezes, me pergunto: 'Por que isso precisou chegar à internet?' Afinal, tentamos fazer um trabalho apurado com os alunos e estamos sempre abertos ao diálogo e às críticas. Acho que podíamos ter discutido mais os problemas em sala de aula e nos conselhos de classe. Mesmo alguns alunos se questionam: 'Será que isso precisava ir parar no Facebook?'
Mas a senhora admite que houve problemas no gerenciamento da escola?
Houve dificuldade na gestão do grupo que administra as verbas, e acabamos não utilizando o dinheiro integralmente. Mas, se algo foi deixado de lado, é porque nos dedicamos mais às práticas pedagógicas. Mesmo com um vidro quebrado ou uma fechadura faltando, tivemos um bom nível de rendimento.
A senhora mencionou que a escola mantém uma página no Facebook. Como o espaço é usado pela instituição?
Usamos o Facebook como um mural, onde divulgamos as atividades que fogem à rotina, além do calendário de provas. Rede social ainda não é um assunto sobre o qual tenhamos total domínio. Mas acho que é o momento de refletir sobre como investir nisso.
O que vai mudar na escola daqui para frente?
Já estamos dando um passo para além da crítica. Ela foi feita: agora, é preciso que cada um assuma sua responsabilidade na definição de um novo modelo de trabalho. Queremos que o caso saia do Facebook e venha para dentro da escola para que os alunos sejam atuantes também aqui.
Inspiração da estudante Isadora Faber veio da Escócia
Nesta semana, Isadora Faber ganhou status de heroína ao atrair para sua página no Facebook quase 200.000 fãs. Em Diário de Classe, a menina de 13 anos, estudante do 7º ano da Escola Municipal Maria Tomázia Coelho, de Florianópolis (SC), conta os problemas que atingem a maioria das escolas públicas: professores desinteressados, infraestrutura precária e falta de manutenção. A inspiração, contou Isadora, veio de Martha Payne, uma escocesa de 9 anos que desde abril mantém o blog NeverSeconds ("É proibido repetir o prato", uma ordem de fato vigente na sua escola), onde avalia – e espinafra, por vezes – a merenda servida a ela e aos seus colegas. Martha é um sucesso. Hoje, seu blog soma quase 8 milhões de visitas e recebeu elogios até do chef e apresentador de TV britânico Jamie Oliver.
Martha diz que foi fácil conseguir o apoio de amigos e professores, mas seu diário on-line despertou a ira do conselho regional de educação, que chegou a proibir a menina de fotografar a comida da escola. Sem poder alimentar o blog temporariamente com suas próprias fotos, ela abriu o espaço a colaborações - que logo chegavam de todas as partes do mundo. Martha foi além: deu início a uma campanha internacional para arrecadar dinheiro para crianças que não têm o que comer. Na semana passada, totalizou 110.000 libras (cerca de 356.000 de reais) em doações, dinheiro que será destinado a uma instituição de caridade. No fim de setembro, Martha vai ao Malaui entregar parte da verba e já está escrevendo um livro sobre a experiência. Na entrevista a seguir, concedida ao site de VEJA, Martha Payne fala sobre como, aos 9 anos, já transformou a vida de tanta gente, inclusive a de Isadora. Confira:
O que a motivou a fazer o blog? Em sempre quis escrever diariamente sobre alguma coisa, como os jornalistas. Ao mesmo tempo, eu estava insatisfeita com a merenda da minha escola. Juntei as duas coisas.
Como seus professores e amigos receberam o projeto? Todos na minha escola gostaram muito da ideia, mas o conselho de educação, que gere as escolas da região, não gostou nada do meu blog.
Você chegou a ser impedida de publicar as fotos, não é? Sim, o conselho me proibiu de escrever sobre a merenda da minha escola, mas as pessoas começaram a reclamar e eles voltaram atrás. Então, decidi dar voz a crianças de outras escolas. Hoje, pessoas de diferentes partes do mundo escrevem durante uma semana no meu blog contando sobre a comida de seus países.
Com a pressão do conselho, você não pensou em desistir? Nunca. Estou adorando ter convidados no meu blog. Gostaria até de convidar a Isadora para escrever lá.
Você conversou com seus pais antes de começar o blog? Sim. Meu pai me ajudou a fazer o blog e também pedi a permissão da escola para esse projeto. A coordenação pediu ao meu pai que me acompanhasse de perto.
Sua vida mudou bastante depois do blog? Eu me exercito menos agora porque fui convidada a escrever um livro sobre meu blog. Agora também tenho mais amigos fora da Escócia. Um dia quero conhecer todos eles.
E a merenda da sua escola, mudou? Sim, melhorou!
Você também transformou a vida de muita gente com o seu blog. Como surgiu a ideia de ajudar outras crianças por meio da caridade? Meu avô me apresentou a Mary’s Meal, uma organização internacional que leva comida a crianças do mundo todo. No ano passado, eu ajudei a organizar um evento na escola e arrecadamos 70 libras (226 reais) para essa organização. Quando o meu blog ficou famoso, comecei a receber comentários de pessoas do mundo todo e algumas me diziam que eu tinha muita sorte de ter o que comer. Então, criei um site (www.justgiving.com/neverseconds) para arrecadar dinheiro para as crianças que não têm merenda. Daqui a quatro semanas, vou ao Malaui entregar uma parte do dinheiro que eu levantei.
Você recebe muitos e-mails de crianças que se inspiram no seu blog? Recebo alguns, sim. Mas o caso da Isadora é o melhor até agora.
Como você se sente inspirando outras crianças? Fico um pouco nervosa com isso, mas me sinto feliz. As crianças que eu inspiro também inspiram outras crianças.
Que conselhos você dá para a Isadora e para as demais crianças querem fazer o que você faz? Sejam honestas, usem muitas fotos e escrevam o que estão sentindo.
Quais os seus planos para o futuro? Depois que eu voltar do Malaui, não sei o que vou fazer. Acho que o Malaui me fará pensar bastante sobre a vida. Muito em breve vou completar 10 anos... quem sabe o que vai acontecer? 

Fonte: Veja.com

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