quinta-feira, 16 de agosto de 2012

A trilha de ouro da matemática

Cidades da Zona da Mata compõem circuito de sucesso na disputa que envolve alunos de escolas públicas do país. Estudantes premiados dão exemplo de superação e persistência

Se para atletas do mundo inteiro a batalha por medalhas só se repetirá daqui a quatro anos, para estudantes de Escolas públicas de três pequenos municípios do interior de Minas ela está só começando. Eles vencem distâncias, fazem cálculos certeiros para não errar o alvo e dão saltos inimagináveis também rumo a medalhas de ouro, prata e bronze. No lugar de bolas, piscinas e traves, eles usam o raciocínio, a lógica e o conhecimento para serem campeões da Olimpíada Brasileira de Matemática das Escolas Públicas (Obmep). As cidades de Coimbra, Dores do Turvo e Senador Firmino, na Zona da Mata, somam pouco mais de 18 mil habitantes e ficam num raio de 60 quilômetros. Desde o início da competição, há sete anos, elas lideram a disputa por medalhas entre as instituições da rede estadual, tendo acumulado 57 delas. Não por acaso, se consagraram como “a trilha do ouro”, pois estão entre as mais bem classificadas no Brasil e levam, religiosamente, medalhas e dezenas de menções honrosas todos os anos, disputando entre si o topo do ranking.
Alunos e Professores das Escolas campeãs garantem que não há rivalidade e apontam como a fórmula do sucesso o esforço e muito estudo. Elas têm em comum ainda o fato de cada uma ser a única Escola estadual em seu município. Desde 2007, a Emílio Jardim, de Coimbra, e a Terezinha Pereira, de Dores do Turvo, faturaram 18 medalhas cada uma, enquanto a Professor Cícero Galindo, de Senador Firmino, levou 21. Semana passada, elas selaram mais uma conquista, quando os estudantes receberam as medalhas referentes à Olimpíada de 2011.
A Emílio Jardim teve uma prata e um bronze; a Terezinha Pereira levou dois ouros, três pratas e um bronze; e a Cícero Galindo ficou com um ouro, duas pratas e três bronzes. A cerimônia ocorreu quarta-feira em Ubá, na Superintendência Estadual de Educação, e contou com a participação de todos os vencedores da região, Professores e familiares. Embora a competição seja nacional, a entrega de medalhas é de responsabilidade das redes de Ensino. E, como não podia deixar de ser, o destaque mais uma vez foi para as três Escolas-prodígio. 
Mas, conversando com esses meninos, logo se descobre que o que menos importa é a quantidade de premiações. Eles são a prova de que vontade e dedicação é o que leva ao topo do ranking. Todos os campões carregam consigo histórias de ouro, como a do menino Evandro Júnior Firmino da Silva, de 12 anos, do 7º ano do fundamental da Escola Estadual Terezinha Pereira. Ele passou por cima das dificuldades da zona rural para conquistar, de cara, o ouro olímpico em sua primeira competição, ano passado. Agora, estuda para o bicampeonato. 
Evandro mora no distrito de Pinheiros, zona rural de Dores do Turvo. Para chegar à Escola, enfrenta 45 minutos de estrada de terra no ônibus que passa pegando estudantes e moradores que precisam ir à cidade no único meio de transporte da região. Quando ganhou a medalha, o garoto concorreu com duas desvantagens: acabava de chegar ao 6º ano vindo da Escola rural e tinha como rivais Alunos de série superior. A olimpíada é dividida em três níveis: estudantes do 6 e 7º ano; do 8º e 9º; e os do Ensino médio.
E Evandro fez tudo à mineira, bem caladinho. Ele fazia exercícios em casa e participava dos plantões noturnos na cidade, ocasiões nas quais precisava dormir na casa de colegas, por não ter como voltar. Na primeira fase, a concorrência foi interna – nessa etapa, as avaliações são aplicadas nas Escolas, pelos próprios Professores. A segunda fase ocorre em outros locais, com Professores destacados pela Obmep e 5% dos estudantes mais bem classificados de cada Escola. “Estudei, mas não esperava o ouro, principalmente porque não deu tempo de terminar todas as questões da segunda fase. Mas tive muita confiança naquelas em que fui até o fim”, disse. 
A surpresa veio quando a mãe recebeu um telefonema da diretora da Escola, Ángela Campos, dizendo que o filho ganhara a maior condecoração. “Ele me disse que estava participando de uma olimpíada, mas achei que fosse coisa na Escola. Só então comecei a entender do que se tratava”, contou a dona de casa Nerli Conceição da Silva, de 32. O garoto, apontado como um dos melhores Alunos da Escola em todas as matérias, já está na batalha pelo bicampeonato e aguarda com ansiedade o dia 27, quando sairá pela primeira vez de Coimbra, rumo ao Teatro Municipal do Rio de Janeiro, para receber, das mãos da presidente Dilma Rousseff, o reconhecimento pelo desempenho, ao lado dos demais medalhistas de ouro. O segredo, ele tem na ponta da língua: “Esforçar-se, estudar bastante e acreditar que você vai ganhar”.
Os medalhistas Dávila Meireles (bronze) e Evandro Firmino (ouro) enfrentam viagem pelas estradas de terra da zona rural até chegar à Escola
Vencedores e já de olho na nova prova
A segunda fase da olimpíada de matemática bate à porta e, por isso, não dá para enfraquecer a preparação. Os Alunos se dividem entre as cerimônias de premiação e a expectativa das próximas provas e, para alguns, os desafios se ampliam. Caso dos Alunos da Escola Estadual Emílio Jardim, de Coimbra, Aline Mafra, de 14, e André Luís Barbosa Ázar, de 13, que vão tentar a terceira medalha. 
Aline foi convidada no fim do ano passado para encarar a Preparação Especial para Competições Internacionais (Peci). Ela se reúne uma vez por mês em Brasília, com outros 12 adolescentes, para passos ainda mais largos. “Dá vontade de continuar estudando cada vez mais, porque essa olimpíada é a top”, diz ela, que quer ser juíza federal. André sonha em seguir os passos de Aline. “Quando cheguei para fazer a prova, pensei que não conseguiria nada, porque era muito difícil. Mas fiz com a mente leve, pensando que se não desse não haveria problema. Essa tranquilidade foi fundamental”, diz. 
A diretora Rita Maria Leite Ladeira é uma das grandes incentivadoras e os resultados chegam a premiações ainda maiores, como vagas em universidades federais e no almejado Colégio de Aplicação da Universidade Federal de Viçosa (Coluni). “Essas vitórias são um incentivo para uma cidade pequena e estrimularam a vontade de estudar e a autoestima dos meninos.”
Em Senador Firmino, Higna Araújo Guimarães, Janaína Aparecida da Silva Moura, Bruno Wellington Moreira e Matheus Fernandes Vieira, de 13 anos, Thales Diego Guimarães de Souza, de 14, e Guilherme Silva Heleno, de 15, exibem ouro, prata e bronze, alguns deles por repetidas vezes. A Professora de matemática e vice-diretora da Escola Estadual Professor Cícero Torres Galindo, Luceni da Mata Goulart, atribui todos os méritos ao esforço dos Alunos. “A Escola faz seu papel, mas a dedicação é deles”, ressalta. 
É Thales quem resume o significado de toda essa iniciativa: “O Ensino público no Brasil é muito precário. São Professores e Alunos que se esforçam. A Obmep é um avanço, chega a todos os cantos do Brasil, mas quantos talentos o país já perdeu por falta de incentivo? É uma boa iniciativa, mas falta muito ainda”.
Quem estará também no dia 27, pela segunda vez, para a cerimônia de premiação dos medalhistas de ouro é o estudante Ricardo Vidal Teixeira, de 14, do 8º ano da Escola Estadual Professora Francisca Pereira Rodrigues, de Piraúba, também na Zona da Mata. A cidade não faz parte da chamada “trilha do ouro”, mas se orgulha de ter o primeiro lugar de Minas Gerais em 2011 e o 11º no Brasil. Ricardo acumula outra vitória, com gostinho de quem está ganhando o mundo. Na prova em grupo, de que participou com 13 colegas, a equipe ganhou a medalha de prata da Olimpíada Internacional da Matemática sem Fronteiras.
Corrida de obstáculos até conseguir a vitória
Na competição da Olimpíada Brasileira de Matemática das Escolas Públicas (Obmep) os desafios começam no deslocamento de muitos Alunos. Não fosse o carro do pai de Dávila de Carvalho Meireles, de 13 anos, aluna do 7º ano da Escola Estadual Terezinha Pereira, seria difícil para ela, que levou o bronze, e o colega Evandro Júnior Firmino da Silva, de 12, ganhador do ouro, moradores da zona rural de Dores do Turvo, na Zona da Mata, chegarem a Ubá, cidade vizinha, um sábado por mês, para os encontros de matemática. Afinal, nessas olimpíadas, nem só de pódios vivem os atletas. Todos os medalhistas ganham uma bolsa de estudos, por meio do Programa de Iniciação Científica (PIC) Júnior, para se aprofundar na disciplina em aulas presenciais e on-line, sempre com o suporte de um Professor. 
Os estudantes do 3º ano do Ensino médio têm direito s uma bolsa do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) para estudar matemática na faculdade, mesmo tendo escolhido curso de outra área. Isso porque a premiação é sempre feita um ano depois da realização da prova na qual se destacaram – no caso do terceiro do Ensino médio, depois da formatura. 
Essas bolsas são outro estímulo para que medalhistas garantam suas posições no ranking, uma vez que estimulam a busca do conhecimento e aprofundamento da matéria. Dávila, que mora no distrito de Águas Claras e também precisa do transporte Escolar da prefeitura para chegar à sala de aula, é uma das concorrentes que aproveitam ao máximo o aprendizado para subir posições. “Este ano, estamos mais preparados. Antes, não sabíamos que podíamos ganhar alguma coisa”, conta a menina. Ela se classificou em primeiro lugar na Escola para a segunda fase da olimpíada deste ano. 
E, de competição em competição, a meninada desenvolve o gosto pelo estudo de uma das disciplinas consideradas mais áridas da grade Escolar, como ocorreu com o medalha de ouro Adriel Marcos de Castro Arruda, de 12, também do 7º ano. “Meu sonho era tirar prata ou ouro na Obmep e quando terminei a prova vi que dava para levar. A matemática é a matéria de que mais gosto e as provas da olimpíada me ajudaram a apreciá-la ainda mais”, conta o garoto. 
Professor Na Escola que teve ainda as pratas de Luana de Azevedo Iatarola Coelho, de 13, Luíza Fernandes Soares, e Franciele de Magalhães Firmino, ambas de 15, um Professor de matemática se destaca pelo carinho dos Alunos e por ser premiado todos os anos pelo trabalho desenvolvido com a garotada. Geraldo Amintas de Castro Moreira é um resumo da dedicação de tantos Professores e diretores que provam que a Escola pública pode ter lugar de destaque. “Participamos desde o início, mas competíamos com um número restrito de Alunos, porque não acreditávamos em nosso potencial de ganhar. A partir da terceira edição, passamos a concorrer com a Escola toda e há cinco anos estamos entre as melhores de Minas Gerais e do Brasil”, relata. 
Os medalhistas são vencedores de uma disputa acirrada que envolve os melhores do Brasil. Somente para a edição de 2012 são mais de 19 milhões de inscritos, dos quais serão premiados 500 com a medalha de ouro, 900 com a de prata e 3,1 mil com o bronze, além de 46,2 mil certificados de menção honrosa. As provas da primeira fase foram aplicadas em junho e as da segunda vão ocorrer dia 15 do mês que vem. O resultado dos premiados será divulgado no fim de novembro.

Fonte: Estado de Minas (MG)

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