segunda-feira, 29 de julho de 2013

GESTÃO - ESTUDO DE ANALISTAS DO TESOURO DIZ QUE INEFICIÊNCIA COMPROMETE 40% DAS VERBAS PARA O ENSINO

Recursos destinados por prefeituras ao Ensino Fundamental também são desperdiçados com corrupção

Um estudo elaborado por analistas de finanças e controle da Secretaria do Tesouro Nacional, vinculada ao Ministério da Fazenda, estima que pelo menos 40% dos recursos gastos pelas prefeituras brasileiras no ensino fundamental são desperdiçados, seja por corrupção ou ineficiência da máquina pública.

Publicado na página do Tesouro na internet, com a ressalva de que expressa a opinião dos autores e não necessariamente a do órgão, o texto diz que os recursos disponíveis são mais do que suficientes para o cumprimento das metas do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb). Logo, o problema dos municípios seria a má gestão e não a falta de dinheiro.

De acordo com o levantamento, 4,9 mil municípios destinaram R$ 54 bilhões por ano ao ensino fundamental, no período de 2007 a 2009, sendo que R$ 21,9 bilhões teriam sido desperdiçados, na estimativa mais modesta.

A conclusão atiça o debate sobre a necessidade de mais investimentos no ensino. O Senado está para votar projeto de lei do novo Plano Nacional de Educação (PNE) que propõe aumentar o gasto público com ensino para 10% do Produto Interno Bruto (PIB, soma de bens e serviços produzidos no país, num ano), ao longo dos próximos dez anos. Em 2011, o gasto estava em 5,3% do PIB. A briga em torno do aumento do percentual trava o projeto, que chegou à Câmara dos Deputados em dezembro de 2010.

As 4,9 mil prefeituras analisadas no estudo correspondem a 88% do total de cidades no país. De um lado, o estudo olhou o Ideb municipal, indicador do Ministério da Educação que sintetiza o nível de aprendizagem e aprovação dos estudantes brasileiros. De outro, verificou o tamanho do gasto de cada prefeitura com o ensino fundamental.

Ao comparar as duas colunas, os autores identificaram cidades que conseguem fazer mais com menos, isto é, onde Ideb atinge níveis proporcionalmente altos em relação ao montante investido.

Esses municípios serviram de referência para os demais. Assim, prefeituras que gastaram proporcionalmente mais para cada ponto do Ideb receberam o carimbo de ineficientes. E a parcela de gasto a mais de cada prefeitura, na comparação com os municípios mais eficientes, foi classificada como desperdício de dinheiro.

Valendo-se de fórmulas econométricas, os autores concluíram que pelo menos 40,1% dos recursos foram desperdiçados, percentual que pode chegar a 47,3%, conforme a metodologia.

Para compensar diferenças socioeconômicas entre os municípios, uma outra variável foi levada em conta: a escolaridade das mães de estudantes. A premissa é de que cidades onde as mães têm menor escolaridade precisam de maiores investimentos. E vice-versa.

Naercio Menezes Filho, economista especializado em Educação e professor do Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper), afirma que mais dinheiro para a Educação não significa necessariamente melhoria da qualidade do ensino. Ele elogiou a rede pública de Sobral, no Ceará, que conseguiu avançar no Ideb com um ligeiro acréscimo de recursos:

— A gestão é tão importante quanto o volume de recursos — disse Naercio.
Sobral é uma cidade cujo modelo educacional inspira programas do MEC, como o Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa.

O Texto para Discussão número 15, de 2013, é assinado pelos analistas Janete Duarte, Sérgio Ricardo de Brito Gadelha, Plínio Portela de Oliveira e Luis Felipe Vital Nunes Pereira, além da professora da Universidade de São Paulo (USP) Fabiana Rocha, que prestou consultoria ao Tesouro.

“Os resultados indicam que o desperdício de recursos é expressivo para qualquer agrupamento de municípios definido pelo tamanho da população”, escreveram eles. “O gasto efetivamente realizado é muito maior do que o gasto mínimo necessário para atingir as metas. Mesmo quando são feitas simulações a partir do estabelecimento de metas mais duras, fica claro que a restrição não é a escassez de recursos.”

Tesouro critica o estudo
Procurado anteontem pelo GLOBO, o Tesouro informou, inicialmente, que não se pronunciaria sobre o estudo, já que o texto expressa a opinião dos autores e não necessariamente a do órgão, como consta na própria publicação. De acordo com o Tesouro, os autores também não se manifestariam, porque tudo o que teriam a dizer já estava publicado.

Ontem, porém, o Tesouro mudou de ideia e se posicionou sobre o tema, criticando o estudo: “(...) A STN discorda dos resultados obtidos que apontam excesso de recursos. A política do governo federal, em parceria com estados e municípios, e focada na ampliação e na melhoria da qualidade do ensino básico do país, leva em consideração um complexo sistema de variáveis que o estudo apresentado não considera. Qualquer simplificação sobre a qualidade do gasto nessa área pode levar a conclusões equivocadas e não amparadas pelos resultados aferidos pelo Ministério da Educação”, diz o Tesouro por e-mail.

A STN informou também que uma portaria do governo que regulamenta a série de Textos para Discussão proíbe os autores de falarem diretamente à imprensa, sem a intermediação da assessoria do Ministério da Fazenda.



MEC e especialistas criticam pesquisa de analistas do Tesouro
Luiz Claudio Costa, presidente do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), órgão vinculado ao MEC, criticou ontem o texto publicado no site da Secretaria do Tesouro Nacional. Segundo ele, o principal erro é o da simplificação. Costa destacou que o estudo se propõe a medir a qualidade dos gastos municipais e o desperdício de dinheiro sem analisar variáveis como a relação do número de professores por aluno, a formação dos docentes, a inclusão de estudantes e as matrículas em escolas rurais, que impacta diretamente as despesas com transporte escolar.

Costa chamou a atenção para outro ponto que considera problemático: a natural demora para que investimentos em Educação se traduzam em melhores resultados no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb). Além disso, o texto toma como referência apenas o Ideb de 2009, sem comparar a evolução dos municípios.

Costa lembrou ainda que o Brasil figura entre os países com mais baixo investimento por aluno no último relatório da Organização para Cooperação Desenvolvimento Econômico (OCDE), formada majoritariamente por nações desenvolvidas.

— Esse estudo tem uma série de limitações e chega a um resultado completamente inadequado. Um município pode ter um Ideb baixo e estar investindo muito bem. Aliás, pode ter uma gestão exemplar, pela inclusão que está fazendo. Sem falar que o recurso que você põe na escola hoje não se reflete no Ideb do ano seguinte. O Brasil precisa de mais recursos na Educação para incluir alunos e aumentar a qualidade — diz Costa.

A presidente da União Nacional de Dirigentes Municipais de Educação (Undime), Cleuza Repulho, reagiu com indignação. Ela classificou como irresponsabilidade tornar público um estudo que apresenta uma conclusão tão polêmica sem divulgar a lista de cidades analisadas:

— Eu questiono a forma e o conteúdo da pesquisa. Tornou-se discurso corrente que o problema da Educação não é recurso, é gestão. É uma voz daqueles que não estão diretamente na gestão. Os técnicos do Tesouro visitaram quantos municípios?

Cleuza, que é secretária de Educação de São Bernardo do Campo (SP), destacou que o levantamento não menciona os gastos municipais com creches e pré-escolas, etapas da rede pública sob responsabilidade das prefeituras. Para ela, não faz sentido afirmar que está sobrando dinheiro na Educação quando as prefeituras estão diante do desafio de abrir vagas na rede infantil, cuja oferta será obrigatória para todas as crianças, a partir de 2016.

O coordenador-geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Daniel Cara, também criticou o estudo. Segundo ele, não há dúvida de que existem desperdícios, como revelam auditorias dos Tribunais de Contas da União e dos Estados e das Controladorias. Para Daniel, porém, a fonte dos dados orçamentários utilizada no estudo, o chamado Siope, não é 100% confiável. Daniel afirma ainda que há municípios onde professores de creches e pré-escolas aparecem como se fossem de ensino fundamental, o que causa distorções.

— O ponto preocupante desse estudo é que ele gera inferências que não podem ser comprovadas. A Educação precisa de mais recursos e tem que melhorar a gestão. Mas não consigo dizer que o desperdício está na ordem de 40% apenas com base em funções matemáticas que não conhecem a contabilidade pública. Os professores ganham péssimos salários — diz Cara.

A diretora-executiva do movimento Todos pela Educação, Pricila Cruz, observa que o Brasil costuma dedicar muito esforço à formulação de planos, mas pouca atenção à implementação dos programas. Para ela, é preciso melhorar a gestão e, mesmo que a estimativa de desperdício esteja superestimada, ainda assim é uma grande perda:

— Do jeito que está, a gente não vai conseguir resultados, mesmo que dobre o investimento em Educação no Brasil — diz Priscila.

Fonte: O Globo (RJ)

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